segunda-feira, 31 de julho de 2017

O gado triste e o matadouro da esperança

Do alto da Colina do Bom Senso escuto o lamento dos berrantes e vejo um gado triste, pacífico, de todas as cores e tipos, sendo tocado para o matadouro da esperança.









É isto aí!


O gado triste e o matadouro da esperança

Do alto da Colina do Bom Senso escuto o lamento dos berrantes e vejo um gado triste, pacífico, de todas as cores e tipos, sendo tocado para o matadouro da esperança.


É isto aí!

sábado, 29 de julho de 2017

Roy Orbison - Sweet Memories (Lyric Video)


"Sweet Memories" é uma canção de Mickey Newbury , levada ao sucesso por Andy Williams. A música alcançou o 4º lugar na parada de adultos contemporâneos e o 75º na parada da Billboard em 1968.

Outras versões incluem as Willie Nelson , Brenda Lee e Ricky Van Shelton, Ray Charles e Mary Ann, Anita Carter , The Everly Brothers e Roy Orbison .



My world is like a river
As dark as it is deep
Night after night
The past slips in and gathers all my sleep

My days are just and endless stream
of emptiness to me
Filled only by
the fleeting moments of her memories

Sweet memories

Sweet memories

She slipped into the silence
of my dreams last night
Wandering from room to room
She's turning on each light
Her laughter spills like river
From the water to the sea
And I'm swept away from sadness
Clinging to her memories

Roy Orbison - Sweet Memories (Lyric Video)


"Sweet Memories" é uma canção de Mickey Newbury , levada ao sucesso por Andy Williams. A música alcançou o 4º lugar na parada de adultos contemporâneos e o 75º na parada da Billboard em 1968.

Outras versões incluem as Willie Nelson , Brenda Lee e Ricky Van Shelton, Ray Charles e Mary Ann, Anita Carter , The Everly Brothers e Roy Orbison .


My world is like a river
As dark as it is deep
Night after night
The past slips in and gathers all my sleep

My days are just and endless stream
of emptiness to me
Filled only by
the fleeting moments of her memories

Sweet memories

Sweet memories

She slipped into the silence
of my dreams last night
Wandering from room to room
She's turning on each light
Her laughter spills like river
From the water to the sea
And I'm swept away from sadness
Clinging to her memories

domingo, 23 de julho de 2017

Estou triste e minha tristeza não me alimenta, se alimenta de mim.



Estou triste (muito triste)

e minha tristeza (intransferível)

não me alimenta (estou fraco)

se alimenta de mim (tristisfagia)



Estou triste

e minha tristeza

tesa

perdura inflexível



minh'alma triste ...

tensa amargura

na aparente calma

tortura tortura



Num instante

Num lúmen vital

Num espaço vazio

meu corpo é triste



minh'alma triste

leviga, definha

então sou e estou

muitas tristezas



triste infeliz

triste tristonho

triste jururu

triste desanimado



triste descontente

triste desgostoso

triste deprimido

triste desolado



triste choroso

triste melancólico

triste sorumbático

triste amargurado



triste lastimoso

triste soturno

triste malcontente

triste consternado



triste lamentoso

triste taciturno

triste aborrecido

triste prostrado



triste desalegre

triste injucundo

triste angustiante

triste magoado



triste pesaroso

triste lamentável

triste cruciante

triste atordoado



triste penoso

triste difícil

triste grave

triste penalizado



triste doloroso

triste aflitivo

triste duro

triste macabro



triste desgostoso

triste sentido

triste aflito

triste inadequado



triste silencioso

triste fúnebre

triste sepulcral

triste inapropriado




triste lúgubre

triste sombrio

triste obscuro

triste maculado



triste horroroso


triste escuro

triste sinistro

triste isolado



triste tétrico

triste lôbrego

triste mau

triste desenganado



triste ruim

triste péssimo

triste horrível

triste derrotado.






É isto aí!

Estou triste e minha tristeza não me alimenta, se alimenta de mim.

Estou triste (muito triste)
e minha tristeza (intransferível)
não me alimenta (estou fraco)
se alimenta de mim (tristisfagia)

Estou triste
e minha tristeza
tesa
perdura inflexível

minh'alma triste ...
tensa amargura
na aparente calma
tortura tortura

Num instante
Num lúmen vital
Num espaço vazio
meu corpo é triste

minh'alma triste
leviga, definha
então sou e estou
muitas tristezas

triste infeliz
triste tristonho
triste jururu
triste desanimado

triste descontente
triste desgostoso
triste deprimido
triste desolado

triste choroso
triste melancólico
triste sorumbático
triste amargurado

triste lastimoso
triste soturno
triste malcontente
triste consternado

triste lamentoso
triste taciturno
triste aborrecido
triste prostrado

triste desalegre
triste injucundo
triste angustiante
triste magoado

triste pesaroso
triste lamentável
triste cruciante
triste atordoado

triste penoso
triste difícil
triste grave
triste penalizado

triste doloroso
triste aflitivo
triste duro
triste macabro

triste desgostoso
triste sentido
triste aflito
triste inadequado

triste silencioso
triste fúnebre
triste sepulcral
triste inapropriado

triste lúgubre
triste sombrio
triste obscuro
triste maculado

triste horroroso
triste escuro
triste sinistro
triste isolado

triste tétrico
triste lôbrego
triste mau
triste desenganado

triste ruim
triste péssimo
triste horrível
triste derrotado.


É isto aí!

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Décio Machado - o modelo clássico de terceirização plena




Do alto da Colina do Bom Senso, usando meu potente telescópio Orion Dobsoniano N 203/1200 SkyQuest XT8 DOB Classic, percebo como são boas as modificações de terceirização tabajara no 12º planeta do sistema solar, o famoso Pindorama. Está claro daqui que a grande nação tupynambá está feliz, a ponto de não mais bater cuias e atabaques nas suas procissões de manifestação de fé. Ah! tem o povo, ora, direis ouvir estrelas ... o povo é parvo ( e - sic - é pardo).





Através de sinais claros e nítidos enviados pela Nave Estelar da Classe Res publicae I-VII-I, podemos por exemplo observar um modelo de humanização da choldra a ser seguido pelo universo infinito. Vamos traduzir estas questões para os apedeutas, leigos, limitados e adeptos do sofrimento fetal de uma forma didática. Observe a parábola abaixo, leia, absorva, prove da sua sabedoria, e será salvo:





Vamos imaginar que numa manhã de uma ensolarada, bela e recatada segunda feira o ativista pseudo-moderninho anti-paz-social de um ex-desgoverno foi merecidamente, dentro do ofício da lei, detido por perturbação da ordem pública por respirar ar puro em local designado apenas aos homens de bem, pelo elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, agente sideral terceirizado Décio Machado.





Na terça-feira, pela manhã, o perturbador da paz social é levado da cela da delegacia para obviamente prestar depoimento ao delegado, onde terá direitos preservados do corpo e do delito de ser ativista. Quem é o delegado sideral? Elementar, choldra, elementar - só há um homem capaz de deter a maldita esquerzóide (uma corruptela clássica) -  o único elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, delegado sideral terceirizado Décio Machado.





Na quarta-feira, logo pelo final da manhã, considerando a gravidade do delito, o delegado sideral encaminha o processo ao mistério público sideral (sim, você leu mistério). O impávido promoter sideral da lei da justiça da ordem e do progresso é ninguém mais do que o único ser daquele planeta capaz de servir ao mito (sim, lá também tem iSSo) com sabedoria e pudor , ele, o intrépido, elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, promoter sideral terceirizado Décio Machado.





Na quinta-feira, na parte da tarde (sempre nas tardes, ainda que tardias), o mistério sideral provocado encaminha o processo (mantenhamos e convenhamos, caberia pelas leis daquele planeta outro processo, mas o Mistério é composto só por homens de bem) ao juizado sideral de pequenas causas. Ali são consideradas pequenas todas as questões que envolvem os esquerzóides, este câncer a ser extirpado da sociedade dos homens de bem.



No 12º Planeta só existe uma pessoa capaz de suportar tamanha pressão sem ter hipertensão, nem diarréia, nem tremuras, nem ejaculações precoces, nem desejos por sorvetes exóticos. Senhoras e senhores, o homem de Krypton, o invencível, o homem de aço, o inenarrável, o homem cujo nome não se revela, o elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, O Master Sideral Terceirizado das pequenas causas especiais, o temido Dr. Décio Machado.





Na sexta-feira o planeta tem festas, bailes nas ilhas fiscais, odes a Baco, Tupã e Dionísio, e tudo se resolve num elegante e editado jornal que vai ao ar capitaneado pelo locutor das multidões, o único elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, jornalista sideral terceirizado Décio Machado Filho. 





Ele anuncia todos os atos dos homens de bem no decorrer na semana e prenuncia o que acontecerá na semana seguinte, através de análises do especialista Thomas Turbando Aquino Rego, por que Décio Machado Pai só de segunda a quinta, senão perde a liderança da audiência dos homens de bem, afinal eles têm sentimento humano, no fundo no fundo, bem lá no fundo., mas la no fundo do fundo do fundo, a ponto de banhar pobres com jatos d´água, purificando-os, batizando-os, salvando-os para receberem o salvador dos homens de bem - o deus da prosperidade, o bom, o puro, o branco de olhos azuis, o maravilhoso Décio Machado. 





É isto aí!

Décio Machado - o modelo clássico de terceirização plena

Do alto da Colina do Bom Senso, usando meu potente telescópio Orion Dobsoniano N 203/1200 SkyQuest XT8 DOB Classic, percebo como são boas as modificações de terceirização tabajara no 12º planeta do sistema solar, o famoso Pindorama. Está claro daqui que a grande nação tupynambá está feliz, a ponto de não mais bater cuias e atabaques nas suas procissões de manifestação de fé. Ah! tem o povo, ora, direis ouvir estrelas ... o povo é parvo ( e - sic - é pardo).

Através de sinais claros e nítidos enviados pela Nave Estelar da Classe Res publicae I-VII-I, podemos por exemplo observar um modelo de humanização da choldra a ser seguido pelo universo infinito. Vamos traduzir estas questões para os apedeutas, leigos, limitados e adeptos do sofrimento fetal de uma forma didática. Observe a parábola abaixo, leia, absorva, prove da sua sabedoria, e será salvo:

Vamos imaginar que numa manhã de uma ensolarada, bela e recatada segunda feira o ativista pseudo-moderninho anti-paz-social de um ex-desgoverno foi merecidamente, dentro do ofício da lei, detido por perturbação da ordem pública por respirar ar puro em local designado apenas aos homens de bem, pelo elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, agente sideral terceirizado Décio Machado.

Na terça-feira, pela manhã, o perturbador da paz social é levado da cela da delegacia para obviamente prestar depoimento ao delegado, onde terá direitos preservados do corpo e do delito de ser ativista. Quem é o delegado sideral? Elementar, choldra, elementar - só há um homem capaz de deter a maldita esquerzóide (uma corruptela clássica) -  o único elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, delegado sideral terceirizado Décio Machado.

Na quarta-feira, logo pelo final da manhã, considerando a gravidade do delito, o delegado sideral encaminha o processo ao mistério público sideral (sim, você leu mistério). O impávido promoter sideral da lei da justiça da ordem e do progresso é ninguém mais do que o único ser daquele planeta capaz de servir ao mito (sim, lá também tem iSSo) com sabedoria e pudor , ele, o intrépido, elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, promoter sideral terceirizado Décio Machado.

Na quinta-feira, na parte da tarde (sempre nas tardes, ainda que tardias), o mistério sideral provocado encaminha o processo (mantenhamos e convenhamos, caberia pelas leis daquele planeta outro processo, mas o Mistério é composto só por homens de bem) ao juizado sideral de pequenas causas. Ali são consideradas pequenas todas as questões que envolvem os esquerzóides, este câncer a ser extirpado da sociedade dos homens de bem.

No 12º Planeta só existe uma pessoa capaz de suportar tamanha pressão sem ter hipertensão, nem diarréia, nem tremuras, nem ejaculações precoces, nem desejos por sorvetes exóticos. Senhoras e senhores, o homem de Krypton, o invencível, o homem de aço, o inenarrável, o homem cujo nome não se revela, o elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, O Master Sideral Terceirizado das pequenas causas especiais, o temido Dr. Décio Machado.

Na sexta-feira o planeta tem festas, bailes nas ilhas fiscais, odes a Baco, Tupã e Dionísio, e tudo se resolve num elegante e editado jornal que vai ao ar capitaneado pelo locutor das multidões, o único elegante, bravo, aguerrido, inteligente, fantástico, incorruptível, globalizado, forte, másculo, etc, jornalista sideral terceirizado Décio Machado Filho. 

Ele anuncia todos os atos dos homens de bem no decorrer na semana e prenuncia o que acontecerá na semana seguinte, através de análises do especialista Thomas Turbando Aquino Rego, por que Décio Machado Pai só de segunda a quinta, senão perde a liderança da audiência dos homens de bem, afinal eles têm sentimento humano, no fundo no fundo, bem lá no fundo., mas la no fundo do fundo do fundo, a ponto de banhar pobres com jatos d´água, purificando-os, batizando-os, salvando-os para receberem o salvador dos homens de bem - o deus da prosperidade, o bom, o puro, o branco de olhos azuis, o maravilhoso Décio Machado. 

É isto aí!

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Autumn leaves

Autumn leaves

A echarpe azul daquela noite de verão




Eu era delegado numa cidade pequena, de vinte mil pessoas que se conheciam. O trabalho era tranquilo, sem maiores complicações. No último verão, calor insuportável, três horas da manhã num plantão normal na delegacia. - dois bêbados, um ladrão conhecido e uma mulher exibicionista e foi só. Silêncio suficiente para todos dormirmos em paz, apesar do calor insuportável.



Naquela época ocorreu a derrubada da prefeita eleita só pelos pobres, e por causa disto lotou a prefeitura de criaturas estranhas, mal vestidas e esquisitas. Depois de um dia intenso de comemorações com desfile do Grêmio pela Tradição e Família, pelo Grêmio Literário, A Associação pelas Amigas da Fé, a Liga dos Amigos do Truco, das crianças e dos heróis da cassação, a cidade parecia querer descansar.



Até que ...




O telefone me acordou de sobressalto. Era do hotel. Levantei e a guarnição de um cabo e dois soldados já me esperavam na porta. Fiz sinal para que dois ficassem e fui com o Nestor, um cabra dos bons. Afinal, pensava enquanto atravessava a praça entre a delegacia e o estabelecimento, o que poderia ter acontecido no hotel de tão grave assim?





Martinelli, um italiano hipercinético, era o proprietário e de longe já acenava desesperado para que eu acelerasse o passo. Pedi ao soldado que retornasse com todos os reforços disponíveis. Comecei a ficar preocupado. Martinelli era um velho amigo, gordo, cabeleira branca, jogador de truco e contador de casos. Fora viajante por 30 anos, até que num choque de realidade, descobriu-se só, longe 30 anos da família, não conhecia os filhos e a esposa para voltar para casa, pegou o que sobrou da partilha do divórcio , comprou a propriedade e juntou-se à Margareth, que era a moça que gerenciava o hotel. Desde então o italiano virou patrimônio da cidade.





O hotel era um sobrado que no passado fora sede da fazenda do Coronel Bezerra, dono de tudo e de todos - O andar superior era todo avarandado, com 12 quartos, sendo seis com banheiro interno e os outros seis utilizando os dois banheiros que foram adaptados no final do corredor, onde antigamente era uma sala reservada. Na parte de baixo a cozinha imensa, a dispensa, os quartos dos empregados, uma copa muito grande, duas salas e a recepção.





Doutor, o senhor não vai acreditar, disse-me em tom de desespero enquanto subia arfando a escada de acesso aos quartos. Abriu a porta do número 7 e deixou que eu entrasse. De arma em punho fui observando o ambiente até deparar com Dona Amelinha nua, inerte, pálida, fria e morta por sobre a cama. Dona Amelinha era a professora mais antiga do lugar, filha caçula do Coronel Bezerra, e tinha uns 70 anos pelo menos, pouco cabelo e uma face sem rugas.





Virei para a porta e indaguei gestualmente ao Martinelli o que significava aquilo. Ele fez sinal para que o acompanhasse, atravessamos o corredor e entramos no quarto da frente, da ala sem banheiro. Ainda assustado, explicou que na noite anterior o Doutor Bernardes, médico decano da região, casado com Dona Glorinha, beata medalha de ouro, dera entrada no hotel com a desculpa do Truco e subiu ao apartamento 7. Logo em seguida Dona Amelinha, como de costume, entrara pelos fundos e subira para terem seus momentos íntimos de prazer, iniciados quando ela enviuvou há 35 anos atrás.





E cadê o Doutor Bernardes? - Fez sinal com o indicador para que o acompanhasse. Seguimos o longo corredor até os fundos do hotel, onde jazia nu, em estado priápico, com a cabeça suavemente encostada na grade de madeira que contornava toda a varanda da casa, de tal modo que parecia estar cochilando. Olhei para baixo, não vi nada fora de ordem. Havia uma echarpe azul presa à mão do falecido. Pressenti que a conhecia, mas até aquele instante tive dúvidas - não pode ser ... pensava.



Retirei com cuidado a peça da mão do falecido, e senti no ar o mesmo perfume que me trouxe lembranças gozosas de um passado não muito distante. Veio a percepção das coincidências desconcertantes - eu conhecia a dona daquela echarpe. De uma excursão ao Paraguai a conheci, apaixonei, comprei-lhe a echarpe e um perfume francês. Tempos depois nos encontramos aqui num evento social, casada e ... bem ... não pode ser ... será?





Depois das fotografias, pedi que vestissem o Doutor e o colocassem no térreo, na sala do Truco, enquanto a Dona Amelinha deveria permanecer na cama onde faleceu, na mesma casa que nasceu. Afinal ninguém precisava saber dos detalhes, já que não havia marcas de violência, sinais de luta, e nem sintomas de envenenamento. Fui à casa do médico, onde insistentemente bati a campainha, e nada. Ouvi um barulho de queda ou salto, corri para os fundos da casa e segurei Agenor, o barbeiro, semi-nu, se apressando para sair do ambiente. Era um mulato franzino, pobre e muito falante, da turminha miúda da ex-prefeita.





Esperei que vestisse a roupa, algemei e o entreguei ao Cabo para levar à delegacia, enquanto entrava na casa em total silencio. Doutor Bernardes tinha três filhos, todos residentes na capital, uma moça e dois rapazes, curiosamente bem feios. Subi os degraus tenso. No quarto do casal, sob a coberta, com a TV ligada e cara de assustada, estava Dona Rita de Cássia, morena de corpo interessante, com uns quarenta anos, desposada do Doutor quando este enviuvou de Dona Geraldinha, que morreu de câncer. 





Dona Rita, séria, moralista, catequista da igreja e presidente do Grêmio da Tradição da Família Cristã ficou espantadíssima com minha presença. Fiz sinal de silêncio com o indicador à boca, caminhei até o banheiro, que estava vazio, percebi a janela fechada, destas italianas de guilhotina e veneziana. Deduzi que esteve sempre fechada. Fiz novamente sinal para que ficasse quieta.



Sai e fui para o quarto do fundo do corredor, com dona Rita atrás de mim, colada nas minhas costas,  com uma camisolinha - hummm, que delícia, Dona Rita!!!! - aquilo de certa forma mexeu comigo, sei lá.



Fui abrindo a porta devagar e deparei com a filha do médico, feinha, coitada, meio sem graça, meio sem entender nada, com uma toalha no cabelo e um roupão sobre o corpinho seco, saindo do banheiro. Entendi a situação vendo a janela aberta e foi dali que o suspeito pulou para escapar do delito, pensei.



Dona Rita não sabia que ela havia chegado e ela não sabia que Dona Rita estava na casa. Voltei os olhos à ela, guardei a arma e dei a notícia. Não chorou e nem sorriu, ao contrário da madrasta que fez pranto antes de terminar a frase. Logo deduzi que a feinha poderia estar mancomunada com o suspeito em agora provável crime com duas vítimas fatais.





Fui para a delegacia. Agenor estava desesperado. gritando - me larga, sou inocente, eu não fiz nada, enfim, aquela cantilena de todo suspeito que deve. Mandei recolher para averiguação além do crime de adultério, já que o suspeito era casado. Determinei a apreensão do Renatinho, um negão corpulento faz-tudo, que dormia na praça, e que deve ter sido cúmplice para dar uma provável cobertura ao suspeito dos supostos crimes.





Sentei na cadeira e dormi com a echarpe na mão. Tive sonhos fantásticos e ao mesmo tempo estranhíssimos. Acordei às seis horas com o agente funerário educadamente batendo à mesa, para que eu pudesse responder sobre o atestado de óbito, já que o falecido era o emissor oficial da cidade.

- Fonseca, eu disse ao agente funerário, liga para o Doutor Safrinha, sabe? - então, liga para ele e pede os atestados de óbito, fala que os falecidos morreram sem assistência médica e que ele deixe a causa mortis em branco, sei lá, vai que tem alguma coisa que a gente não sabe. Mas bico calado, Fonseca, bico calado. Fala que preciso para hoje ainda, e que é um pedido meu, fala assim que ele atende.





Doutor Safrinha era filho e neto dos Doutores Safra, os mais famosos médicos da região, nascidos e instalados na cidade vizinha, e tinha a mania de promover festas não convencionais na fazenda herdada do avô materno, localizada na minha jurisdição - festas Rave, doutor, tem nada de mais, festas rave ... e ria descaradamente. E graças à natureza ácida, digamos assim, destas festas, eventualmente eu, em nome da amizade, resolvia pendências inerentes ao êxtase da garotada.. 





Resolvida esta questão legal, cheguei na porta da delegacia e vi o aglomerado de curiosos, amigos e parentes dos dois falecidos, na porta do hotel. Observei com atenção atravessarem toda a extensão da praça o dentista, Doutor Juan Benitez Mendoza, um boliviano de etnia guarani, impecavelmente de branco e ao seu lado a estonteante paraguaia Jovencita Paloma Bianco, ou Palomita, como gostava de ser chamada.





Palomita era promoter, cantora, bailarina, artista plástica, instrumentista, professora de Tai-Chi e Muay Thai no Clube da Família. Todas as festas e solenidades municipais passavam por ela, sem exceção. E tinha uma voz, que voz! E tinha um corpo, que corpo! E tinha um jeito, que jeito! E um balanço, que balanço! E umas coxas, que coxas! Enquanto atravessavam a praça, ela de braço dado ao dele, olhou para mim, como perguntando algo, eu respondi acenando com a echarpe. 





Dona Amelinha foi enterrada ao meio dia em ponto, com os sinos repicando o luto da cidade. As crianças do Coral da Escola Municipal Coronel Bezerra cantaram músicas de roda, hinos religiosos, o padre fez um discurso emocionado, bem como a diretora, o prefeito, três vereadores e o presidente do Grêmio Literário. O calor sufocante não foi capaz de dispersar aquela multidão tamanho o carinho com a beata, casta e dedicada Dona Amelinha.





Doutor Bernardes teve o cortejo saindo da sua casa sob intensa chuva de verão, das piores tempestades dos últimos anos - não faltaram raios, ventania, trovões assustadores e carpideiras à frente do féretro. Estranhamente seus dois filhos não vieram e nem deram satisfação à madrasta. Doutor Ernesto, em vida, já havia passado a casa para ela, bem como o sítio e os dois carros, além de uma pensão satisfatória. O corpo deu seu último passeio por quase todo centro, entre silêncio de uns, prantos contidos de outros e chuva, muita muita chuva.





Não demorou quinze minutos depois do meu retorno à delegacia para receber Palomita - madre de dios - que mujer ... que mujer ... trazia sobre seu escultural corpo, um vestido de algodão puro em renda, valorizando toda a obra prima que a natureza esculpiu ... que mujer ... que mujer ... tirei a echarpe da gaveta e a indaguei com os olhos.





Sua boquita de cereza tremeu, mas dos seus lábios, sob a melodia da sua voz e com seu delicioso sotaque paraguaio, foi narrando o que a sua echarpe fazia na mão do falecido. Bem, doutor, tudo começou quando o pão-duro do Kaká marcou uma sessão terapêutica  comemorativa da sua posse, comigo no hotel, e como ele é conhecido pela sovinice, talvez pela origem libanesa, nunca se sabe, ficamos na ala sem banheiro. 





Kaká do Quibe? Você estava com o prefeito? Com o nosso prefeito?





Isto, exatamente isto. Ao sair para me lavar, enquanto o pão-duro se arrumava, Doutor Ernesto abriu a porta, nu, com o visível processo da ação farmacológica de determinado medicamento comprado hoje na farmácia do Parreira, bem na minha frente, sem nenhum pudor e ainda fez piadinha comigo, velho assanhado - Palomita era rica em detalhes e isto ajudaria muito.



Então quer dizer que o Parreira, aquele comunistazinho de merda vendeu este medicamento ao Doutor Ernesto, hem? Onde vamos parar. Bem, prossiga, Palomita. 





Eu corri para o banheiro e ele veio atrás de mim, meio cambaleante com a mão no peito e puxou minha echarpe, foi quando teve ou já estava tendo um ataque cardíaco e foi encostando na grade com os olhos arregalados, parecia que babando, ou tentando falar algo, tipo ai que dor ... ai que dor ... acho que era isto ...



Diga uma coisa, Palomita, isto é muito importante, por acaso ele não teria dito Agenor??? Pense ... você não domina plenamente o português. Quem sabe se enganou?



Pode ser, o Kaká já estava lá quando ele ficou repetindo sei lá o que "ôr". Aí o Kaká me puxou depressa, saímos pela escada de serviços. Só de manhã que fui entender que ele deve ter feito um quadro de pânico ao ver que a Dona Amelinha havia morrido e saiu para chamar alguém para ajudar a socorre-la. Foi isto.





O Kaká pode confirmar isto?





Ele está lá fora, o senhor quer falar com ele agora? Pergunta para ele se ele lembra se o Doutor não disse Agenor . Só isto, depois se ele tiver tempo, passa aqui e confirma comigo.



Agora, apesar de não ter provas, eu tinha a convicção de que o Agenor foi contratado pelo Parreira, e teve a cobertura do Renatinho faz-tudo para liquidar a vida de dois dos maiores heróis da derrubada legítima da impostora. Mandei recolher o Parreira para averiguação. O boato, de que os dois foram vítimas de uma trama macabra, não sei como, vazou para a cidade, e acabou que os homens de bem em quantidade enorme, mascarados, invadiram a delegacia num momento de fragilidade na segurança e fizerem a justiça divina contra os assassinos nefastos e perigosos. Finalmente a cidade estava definitivamente livre de comunistas, bandidos e corruptos.





Naquela noite eu fui para a casa do falecido Doutor Ernesto para consolar a Dona Rita, pensando na Palomita ... e depois voltei, voltei de novo, de novo, até não precisar mais sair de lá. E a Feinha já havia retornado para a capital, será que foi ela a mentora que financiou o duplo homicídio? Depois eu penso nisto. 





É isto aí!

A echarpe azul daquela noite de verão


Eu era delegado numa cidade pequena, de vinte mil pessoas que se conheciam. O trabalho era tranquilo, sem maiores complicações. No último verão, calor insuportável, três horas da manhã num plantão normal na delegacia. - dois bêbados, um ladrão conhecido e uma mulher exibicionista e foi só. Silêncio suficiente para todos dormirmos em paz, apesar do calor insuportável.

Naquela época ocorreu a derrubada da prefeita eleita só pelos pobres, e por causa disto lotou a prefeitura de criaturas estranhas, mal vestidas e esquisitas. Depois de um dia intenso de comemorações com desfile do Grêmio pela Tradição e Família, pelo Grêmio Literário, A Associação pelas Amigas da Fé, a Liga dos Amigos do Truco, das crianças e dos heróis da cassação, a cidade parecia querer descansar.

Até que ...

O telefone me acordou de sobressalto. Era do hotel. Levantei e a guarnição de um cabo e dois soldados já me esperavam na porta. Fiz sinal para que dois ficassem e fui com o Nestor, um cabra dos bons. Afinal, pensava enquanto atravessava a praça entre a delegacia e o estabelecimento, o que poderia ter acontecido no hotel de tão grave assim?

Martinelli, um italiano hipercinético, era o proprietário e de longe já acenava desesperado para que eu acelerasse o passo. Pedi ao soldado que retornasse com todos os reforços disponíveis. Comecei a ficar preocupado. Martinelli era um velho amigo, gordo, cabeleira branca, jogador de truco e contador de casos. Fora viajante por 30 anos, até que num choque de realidade, descobriu-se só, longe 30 anos da família, não conhecia os filhos e a esposa para voltar para casa, pegou o que sobrou da partilha do divórcio , comprou a propriedade e juntou-se à Margareth, que era a moça que gerenciava o hotel. Desde então o italiano virou patrimônio da cidade.

O hotel era um sobrado que no passado fora sede da fazenda do Coronel Bezerra, dono de tudo e de todos - O andar superior era todo avarandado, com 12 quartos, sendo seis com banheiro interno e os outros seis utilizando os dois banheiros que foram adaptados no final do corredor, onde antigamente era uma sala reservada. Na parte de baixo a cozinha imensa, a dispensa, os quartos dos empregados, uma copa muito grande, duas salas e a recepção.

Doutor, o senhor não vai acreditar, disse-me em tom de desespero enquanto subia arfando a escada de acesso aos quartos. Abriu a porta do número 7 e deixou que eu entrasse. De arma em punho fui observando o ambiente até deparar com Dona Amelinha nua, inerte, pálida, fria e morta por sobre a cama. Dona Amelinha era a professora mais antiga do lugar, filha caçula do Coronel Bezerra, e tinha uns 70 anos pelo menos, pouco cabelo e uma face sem rugas.

Virei para a porta e indaguei gestualmente ao Martinelli o que significava aquilo. Ele fez sinal para que o acompanhasse, atravessamos o corredor e entramos no quarto da frente, da ala sem banheiro. Ainda assustado, explicou que na noite anterior o Doutor Bernardes, médico decano da região, casado com Dona Glorinha, beata medalha de ouro, dera entrada no hotel com a desculpa do Truco e subiu ao apartamento 7. Logo em seguida Dona Amelinha, como de costume, entrara pelos fundos e subira para terem seus momentos íntimos de prazer, iniciados quando ela enviuvou há 35 anos atrás.

E cadê o Doutor Bernardes? - Fez sinal com o indicador para que o acompanhasse. Seguimos o longo corredor até os fundos do hotel, onde jazia nu, em estado priápico, com a cabeça suavemente encostada na grade de madeira que contornava toda a varanda da casa, de tal modo que parecia estar cochilando. Olhei para baixo, não vi nada fora de ordem. Havia uma echarpe azul presa à mão do falecido. Pressenti que a conhecia, mas até aquele instante tive dúvidas - não pode ser ... pensava.

Retirei com cuidado a peça da mão do falecido, e senti no ar o mesmo perfume que me trouxe lembranças gozosas de um passado não muito distante. Veio a percepção das coincidências desconcertantes - eu conhecia a dona daquela echarpe. De uma excursão ao Paraguai a conheci, apaixonei, comprei-lhe a echarpe e um perfume francês. Tempos depois nos encontramos aqui num evento social, casada e ... bem ... não pode ser ... será?

Depois das fotografias, pedi que vestissem o Doutor e o colocassem no térreo, na sala do Truco, enquanto a Dona Amelinha deveria permanecer na cama onde faleceu, na mesma casa que nasceu. Afinal ninguém precisava saber dos detalhes, já que não havia marcas de violência, sinais de luta, e nem sintomas de envenenamento. Fui à casa do médico, onde insistentemente bati a campainha, e nada. Ouvi um barulho de queda ou salto, corri para os fundos da casa e segurei Agenor, o barbeiro, semi-nu, se apressando para sair do ambiente. Era um mulato franzino, pobre e muito falante, da turminha miúda da ex-prefeita.

Esperei que vestisse a roupa, algemei e o entreguei ao Cabo para levar à delegacia, enquanto entrava na casa em total silencio. Doutor Bernardes tinha três filhos, todos residentes na capital, uma moça e dois rapazes, curiosamente bem feios. Subi os degraus tenso. No quarto do casal, sob a coberta, com a TV ligada e cara de assustada, estava Dona Rita de Cássia, morena de corpo interessante, com uns quarenta anos, desposada do Doutor quando este enviuvou de Dona Geraldinha, que morreu de câncer. 

Dona Rita, séria, moralista, catequista da igreja e presidente do Grêmio da Tradição da Família Cristã ficou espantadíssima com minha presença. Fiz sinal de silêncio com o indicador à boca, caminhei até o banheiro, que estava vazio, percebi a janela fechada, destas italianas de guilhotina e veneziana. Deduzi que esteve sempre fechada. Fiz novamente sinal para que ficasse quieta.

Sai e fui para o quarto do fundo do corredor, com dona Rita atrás de mim, colada nas minhas costas,  com uma camisolinha - hummm, que delícia, Dona Rita!!!! - aquilo de certa forma mexeu comigo, sei lá.

Fui abrindo a porta devagar e deparei com a filha do médico, feinha, coitada, meio sem graça, meio sem entender nada, com uma toalha no cabelo e um roupão sobre o corpinho seco, saindo do banheiro. Entendi a situação vendo a janela aberta e foi dali que o suspeito pulou para escapar do delito, pensei.

Dona Rita não sabia que ela havia chegado e ela não sabia que Dona Rita estava na casa. Voltei os olhos à ela, guardei a arma e dei a notícia. Não chorou e nem sorriu, ao contrário da madrasta que fez pranto antes de terminar a frase. Logo deduzi que a feinha poderia estar mancomunada com o suspeito em agora provável crime com duas vítimas fatais.

Fui para a delegacia. Agenor estava desesperado. gritando - me larga, sou inocente, eu não fiz nada, enfim, aquela cantilena de todo suspeito que deve. Mandei recolher para averiguação além do crime de adultério, já que o suspeito era casado. Determinei a apreensão do Renatinho, um negão corpulento faz-tudo, que dormia na praça, e que deve ter sido cúmplice para dar uma provável cobertura ao suspeito dos supostos crimes.

Sentei na cadeira e dormi com a echarpe na mão. Tive sonhos fantásticos e ao mesmo tempo estranhíssimos. Acordei às seis horas com o agente funerário educadamente batendo à mesa, para que eu pudesse responder sobre o atestado de óbito, já que o falecido era o emissor oficial da cidade.
- Fonseca, eu disse ao agente funerário, liga para o Doutor Safrinha, sabe? - então, liga para ele e pede os atestados de óbito, fala que os falecidos morreram sem assistência médica e que ele deixe a causa mortis em branco, sei lá, vai que tem alguma coisa que a gente não sabe. Mas bico calado, Fonseca, bico calado. Fala que preciso para hoje ainda, e que é um pedido meu, fala assim que ele atende.

Doutor Safrinha era filho e neto dos Doutores Safra, os mais famosos médicos da região, nascidos e instalados na cidade vizinha, e tinha a mania de promover festas não convencionais na fazenda herdada do avô materno, localizada na minha jurisdição - festas Rave, doutor, tem nada de mais, festas rave ... e ria descaradamente. E graças à natureza ácida, digamos assim, destas festas, eventualmente eu, em nome da amizade, resolvia pendências inerentes ao êxtase da garotada.. 

Resolvida esta questão legal, cheguei na porta da delegacia e vi o aglomerado de curiosos, amigos e parentes dos dois falecidos, na porta do hotel. Observei com atenção atravessarem toda a extensão da praça o dentista, Doutor Juan Benitez Mendoza, um boliviano de etnia guarani, impecavelmente de branco e ao seu lado a estonteante paraguaia Jovencita Paloma Bianco, ou Palomita, como gostava de ser chamada.

Palomita era promoter, cantora, bailarina, artista plástica, instrumentista, professora de Tai-Chi e Muay Thai no Clube da Família. Todas as festas e solenidades municipais passavam por ela, sem exceção. E tinha uma voz, que voz! E tinha um corpo, que corpo! E tinha um jeito, que jeito! E um balanço, que balanço! E umas coxas, que coxas! Enquanto atravessavam a praça, ela de braço dado ao dele, olhou para mim, como perguntando algo, eu respondi acenando com a echarpe. 

Dona Amelinha foi enterrada ao meio dia em ponto, com os sinos repicando o luto da cidade. As crianças do Coral da Escola Municipal Coronel Bezerra cantaram músicas de roda, hinos religiosos, o padre fez um discurso emocionado, bem como a diretora, o prefeito, três vereadores e o presidente do Grêmio Literário. O calor sufocante não foi capaz de dispersar aquela multidão tamanho o carinho com a beata, casta e dedicada Dona Amelinha.

Doutor Bernardes teve o cortejo saindo da sua casa sob intensa chuva de verão, das piores tempestades dos últimos anos - não faltaram raios, ventania, trovões assustadores e carpideiras à frente do féretro. Estranhamente seus dois filhos não vieram e nem deram satisfação à madrasta. Doutor Ernesto, em vida, já havia passado a casa para ela, bem como o sítio e os dois carros, além de uma pensão satisfatória. O corpo deu seu último passeio por quase todo centro, entre silêncio de uns, prantos contidos de outros e chuva, muita muita chuva.

Não demorou quinze minutos depois do meu retorno à delegacia para receber Palomita - madre de dios - que mujer ... que mujer ... trazia sobre seu escultural corpo, um vestido de algodão puro em renda, valorizando toda a obra prima que a natureza esculpiu ... que mujer ... que mujer ... tirei a echarpe da gaveta e a indaguei com os olhos.

Sua boquita de cereza tremeu, mas dos seus lábios, sob a melodia da sua voz e com seu delicioso sotaque paraguaio, foi narrando o que a sua echarpe fazia na mão do falecido. Bem, doutor, tudo começou quando o pão-duro do Kaká marcou uma sessão terapêutica  comemorativa da sua posse, comigo no hotel, e como ele é conhecido pela sovinice, talvez pela origem libanesa, nunca se sabe, ficamos na ala sem banheiro. 

Kaká do Quibe? Você estava com o prefeito? Com o nosso prefeito?

Isto, exatamente isto. Ao sair para me lavar, enquanto o pão-duro se arrumava, Doutor Ernesto abriu a porta, nu, com o visível processo da ação farmacológica de determinado medicamento comprado hoje na farmácia do Parreira, bem na minha frente, sem nenhum pudor e ainda fez piadinha comigo, velho assanhado - Palomita era rica em detalhes e isto ajudaria muito.

Então quer dizer que o Parreira, aquele comunistazinho de merda vendeu este medicamento ao Doutor Ernesto, hem? Onde vamos parar. Bem, prossiga, Palomita. 

Eu corri para o banheiro e ele veio atrás de mim, meio cambaleante com a mão no peito e puxou minha echarpe, foi quando teve ou já estava tendo um ataque cardíaco e foi encostando na grade com os olhos arregalados, parecia que babando, ou tentando falar algo, tipo ai que dor ... ai que dor ... acho que era isto ...

Diga uma coisa, Palomita, isto é muito importante, por acaso ele não teria dito Agenor??? Pense ... você não domina plenamente o português. Quem sabe se enganou?

Pode ser, o Kaká já estava lá quando ele ficou repetindo sei lá o que "ôr". Aí o Kaká me puxou depressa, saímos pela escada de serviços. Só de manhã que fui entender que ele deve ter feito um quadro de pânico ao ver que a Dona Amelinha havia morrido e saiu para chamar alguém para ajudar a socorre-la. Foi isto.

O Kaká pode confirmar isto?

Ele está lá fora, o senhor quer falar com ele agora? Pergunta para ele se ele lembra se o Doutor não disse Agenor . Só isto, depois se ele tiver tempo, passa aqui e confirma comigo.

Agora, apesar de não ter provas, eu tinha a convicção de que o Agenor foi contratado pelo Parreira, e teve a cobertura do Renatinho faz-tudo para liquidar a vida de dois dos maiores heróis da derrubada legítima da impostora. Mandei recolher o Parreira para averiguação. O boato, de que os dois foram vítimas de uma trama macabra, não sei como, vazou para a cidade, e acabou que os homens de bem em quantidade enorme, mascarados, invadiram a delegacia num momento de fragilidade na segurança e fizerem a justiça divina contra os assassinos nefastos e perigosos. Finalmente a cidade estava definitivamente livre de comunistas, bandidos e corruptos.

Naquela noite eu fui para a casa do falecido Doutor Ernesto para consolar a Dona Rita, pensando na Palomita ... e depois voltei, voltei de novo, de novo, até não precisar mais sair de lá. E a Feinha já havia retornado para a capital, será que foi ela a mentora que financiou o duplo homicídio? Depois eu penso nisto. 

É isto aí!

Gipsy Moon - "Dark Eyes"

Gipsy Moon - "Dark Eyes"

terça-feira, 18 de julho de 2017

Qual é o sentido da minha vida?




Num momento zero qualquer questionei em sendo a morte uma coisa a ser definida em vida, enquanto a inteligência artificial científica avança inexoravelmente no sentido contrário, qual seria o sentido da minha vida? 





Qual é o sentido da vida? 


O planeta está dividido em crenças, para ficarmos apenas nas quatro maiores que somam 5,5 bilhões de pessoas vivas (hinduísmo, budismo, islamismo, cristianismo), apresentando facções, grupos, sub-grupos, neo-filosofias, neo-teologias, etc.  





Qual é o sentido da vida? 


O mesmo planeta está dividido em três atores principais, cada um defendendo de uma forma imposta, na maioria das vezes repressiva, os seus dominados, que sem opção de escolha são aqueles que os dominantes julgam serem inferiores aos seus super poderes de destruição em massa (literalmente).



Os reprimidos não têm direitos, mas há aqui um fator interessante - os repressores oprimem tanto os reprimidos externos quanto seu próprio povo - esta é uma intensa gravidade deste sentido da vida - a repressão e a opressão estão juridicamente e militarmente democráticas sem as peculiaridades demográficas, dependendo do grau de interesse do dominante.





Qual é o sentido da vida? 


O planeta tem ódio racial tão grave quanto ódio religioso. Pessoas de um mesmo credo são capazes de não dividirem a mesma chama salvífica pela cor da pele. Imagine só - sob a pele a mesma natureza, mas sobre o corpo espécies distintas - uma pele, um manto de 0,5 a 6 mm de espessura é a capa da invisibilidade para uns e o manto real glorificado para outros.





Qual é o sentido da vida? 


Tráfico de seres humanos vivos para os mais distintos interesses (sexo, escravidão, servidão, sadismo, pedofilia, etc). 





Tráfico de órgãos de seres humanos para salvar (?) vidas. É claro que não se faz um tráfico de órgãos sem se conhecer o histórico clínico, bioquímico, genético e anátomo-patológico do doador previamente (opa, como, quando e de que forma se dá isto?)





Tráfico de drogas lícitas, ilícitas, alucinógenas, abortivas, excitantes, anti-depressivas, erotizantes, etc - exploração do mal estar da civilização pelo vazio existencial da busca pelo sentido da vida. 





Tráfico de influência, de ciência, de domínio, de tecnologia, de idiotices, asneiras, barbáries, transgressões, sentenças, denúncias, delações, relações, tráficos de tudo e de todos.





Tráfico de informações confidenciais - nossa vida é um livro aberto para o sistema cibernético. Tudo que somos, fazemos e temos está lá em algum ponto da deep web, sob um código binário, aguardando a necessidade de ser utilizado.





Qual é o sentido da vida?


Partidos políticos são ingredientes de um mesmo bolo, o bolo do poder, o poder que não pondera, o poder que é o sentido da política, que influencia todos os desejos da vida. Poucos bebem da água limpa, alguns morrem de sede, outros vivem das gotas que caem dos seus senhorios. Não existem partidos bons, existem os que aliam interesses sociais e econômicos em concentrações distintas que podem agradar este e desagradar aquele. É um sem sentido que busca algum sentido para segmentos.





Qual é o sentido da vida?


Amar é um verbo transitivo direto da primeira conjugação, que pode promover vida ou morte. A vida pode ser eterna ou durar 15 minutos, e a morte pode ser fisica ou psicológica.





Amar perdeu o significado que nunca teve. Ao ser humano, as relações biológicas, tal qual a religião, foram se subdividindo como processos filosóficos intuitivos, processos sociais ou algo neste sentido.



Hoje, e este hoje se estende há pelo menos cem anos, o sexo refere-se como um ato de amor, as relações cis e trans (entre si e per si) - efêmeras, ao acaso, contratadas ou segmentadas se engalfinharam como e por atos que se autodenominam amor - as paixões se tornaram atos de amor, bem como as delações, as prendadas belas e recatadas do lar, o cartão de crédito, Paris, tudo virou um suco de amor - de repente, não mais que de repente o amor é como uma estação florida no meio do deserto, uma moda primaveril em pleno inverno.





Em qual sentido tomou o rumo do amor próprio, do amor ao próximo, do amor que dói? Perdeu-se ou perdemos a Dor por se tratar de rima pobre? Escondeu-se pela ineficácia de recursos humanos pós-internet? Este adjunto adnominal estaria escondido das redes sociais para ser eliminado por abandono ou para nos preparar para a mecanização da vida? Qual o sentido destas relações assépticas, sem dor? 





Qual é o sentido da vida?


Ao passo que apostos e vocativos têm crescimento exponencial, o eu vai desaparecendo. Cada vez mais as pessoas precisam que seu nome esteja vinculado ao sentido das suas ações reais ou virtuais, já não mais se distinguem, mas apresentam-se online maiores que sua própria vida.





Qual é o sentido da vida quando um filho morre?


Qual é o sentido da morte quando um inimigo nasce?


Qual é o sentir do sentido da vida na morte e o sentido da morte na vida?





É isto aí! 

Qual é o sentido da minha vida?

Num momento zero qualquer questionei em sendo a morte uma coisa a ser definida em vida, enquanto a inteligência artificial científica avança inexoravelmente no sentido contrário, qual seria o sentido da minha vida? 

Qual é o sentido da vida? 
O planeta está dividido em crenças, para ficarmos apenas nas quatro maiores que somam 5,5 bilhões de pessoas vivas (hinduísmo, budismo, islamismo, cristianismo), apresentando facções, grupos, sub-grupos, neo-filosofias, neo-teologias, etc.  

Qual é o sentido da vida? 
O mesmo planeta está dividido em três atores principais, cada um defendendo de uma forma imposta, na maioria das vezes repressiva, os seus dominados, que sem opção de escolha são aqueles que os dominantes julgam serem inferiores aos seus super poderes de destruição em massa (literalmente).

Os reprimidos não têm direitos, mas há aqui um fator interessante - os repressores oprimem tanto os reprimidos externos quanto seu próprio povo - esta é uma intensa gravidade deste sentido da vida - a repressão e a opressão estão juridicamente e militarmente democráticas sem as peculiaridades demográficas, dependendo do grau de interesse do dominante.

Qual é o sentido da vida? 
O planeta tem ódio racial tão grave quanto ódio religioso. Pessoas de um mesmo credo são capazes de não dividirem a mesma chama salvífica pela cor da pele. Imagine só - sob a pele a mesma natureza, mas sobre o corpo espécies distintas - uma pele, um manto de 0,5 a 6 mm de espessura é a capa da invisibilidade para uns e o manto real glorificado para outros.

Qual é o sentido da vida? 
Tráfico de seres humanos vivos para os mais distintos interesses (sexo, escravidão, servidão, sadismo, pedofilia, etc). 

Tráfico de órgãos de seres humanos para salvar (?) vidas. É claro que não se faz um tráfico de órgãos sem se conhecer o histórico clínico, bioquímico, genético e anátomo-patológico do doador previamente (opa, como, quando e de que forma se dá isto?)

Tráfico de drogas lícitas, ilícitas, alucinógenas, abortivas, excitantes, anti-depressivas, erotizantes, etc - exploração do mal estar da civilização pelo vazio existencial da busca pelo sentido da vida. 

Tráfico de influência, de ciência, de domínio, de tecnologia, de idiotices, asneiras, barbáries, transgressões, sentenças, denúncias, delações, relações, tráficos de tudo e de todos.

Tráfico de informações confidenciais - nossa vida é um livro aberto para o sistema cibernético. Tudo que somos, fazemos e temos está lá em algum ponto da deep web, sob um código binário, aguardando a necessidade de ser utilizado.

Qual é o sentido da vida?
Partidos políticos são ingredientes de um mesmo bolo, o bolo do poder, o poder que não pondera, o poder que é o sentido da política, que influencia todos os desejos da vida. Poucos bebem da água limpa, alguns morrem de sede, outros vivem das gotas que caem dos seus senhorios. Não existem partidos bons, existem os que aliam interesses sociais e econômicos em concentrações distintas que podem agradar este e desagradar aquele. É um sem sentido que busca algum sentido para segmentos.

Qual é o sentido da vida?
Amar é um verbo transitivo direto da primeira conjugação, que pode promover vida ou morte. A vida pode ser eterna ou durar 15 minutos, e a morte pode ser fisica ou psicológica.

Amar perdeu o significado que nunca teve. Ao ser humano, as relações biológicas, tal qual a religião, foram se subdividindo como processos filosóficos intuitivos, processos sociais ou algo neste sentido.

Hoje, e este hoje se estende há pelo menos cem anos, o sexo refere-se como um ato de amor, as relações cis e trans (entre si e per si) - efêmeras, ao acaso, contratadas ou segmentadas se engalfinharam como e por atos que se autodenominam amor - as paixões se tornaram atos de amor, bem como as delações, as prendadas belas e recatadas do lar, o cartão de crédito, Paris, tudo virou um suco de amor - de repente, não mais que de repente o amor é como uma estação florida no meio do deserto, uma moda primaveril em pleno inverno.

Em qual sentido tomou o rumo do amor próprio, do amor ao próximo, do amor que dói? Perdeu-se ou perdemos a Dor por se tratar de rima pobre? Escondeu-se pela ineficácia de recursos humanos pós-internet? Este adjunto adnominal estaria escondido das redes sociais para ser eliminado por abandono ou para nos preparar para a mecanização da vida? Qual o sentido destas relações assépticas, sem dor? 

Qual é o sentido da vida?
Ao passo que apostos e vocativos têm crescimento exponencial, o eu vai desaparecendo. Cada vez mais as pessoas precisam que seu nome esteja vinculado ao sentido das suas ações reais ou virtuais, já não mais se distinguem, mas apresentam-se online maiores que sua própria vida.

Qual é o sentido da vida quando um filho morre?
Qual é o sentido da morte quando um inimigo nasce?
Qual é o sentir do sentido da vida na morte e o sentido da morte na vida?

É isto aí! 

Tu estás aqui - Ruy Belo







TU ESTÁS AQUI 


Ruy Belo*





(obs - está mantida a forma original escrita pelo poeta)






Tu estás aqui

Estás aqui comigo à sombra do sol


escrevo e oiço certos ruídos domésticos


e a luz chega-me humildemente pela janela


e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou


Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano


e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama


que uso para ser também isto este bicho


de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos


quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem


                                                                                                          o que sei o


que faço ou então sou eu que julgo que o sabem


e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras


e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou


                                                                                                        outra coisa


esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior


a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço


bem entendido o que faço com este braço


Estás aqui comigo e à volta são as paredes


e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa


e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho


e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer


Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado


passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes


esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa


essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol


Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso 


diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome


este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro


nome embora no mesmo nome este nome


de terra de dor de paredes este nome doméstico


Afinal fui isto nada mais do que isto


as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto


a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome


                                                                                              que não merda


e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das


                                                                                               outras coisas


Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto 


pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa


uma coisa para além disto que não isto 


Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo


é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos 


mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos


tu és em cada gesto todos os teus gestos


e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como


                                                                                                          a palavra paz


Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas


perdoa pagares tão alto preço por estar aqui 


perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui


prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente


deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias


e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer


sou isto é certo mas sei que tu estás aqui.





*Ruy de Moura Belo (1933-1978) foi um dos maiores poetas portugueses do século XX. Nasceu em São João da Ribeira, Rio Maior, e faleceu em Lisboa. Doutorou-se em Direito Canônico na Universidade Gregoriana, em Roma, e licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa. 

Tu estás aqui - Ruy Belo


TU ESTÁS AQUI 
Ruy Belo*

(obs - está mantida a forma original escrita pelo poeta)

Tu estás aqui
Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem
                                                                                                          o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou
                                                                                                        outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso 
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome
                                                                                              que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das
                                                                                               outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto 
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto 
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos 
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como
                                                                                                          a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui 
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui.

*Ruy de Moura Belo (1933-1978) foi um dos maiores poetas portugueses do século XX. Nasceu em São João da Ribeira, Rio Maior, e faleceu em Lisboa. Doutorou-se em Direito Canônico na Universidade Gregoriana, em Roma, e licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa. 

Discutindo relação no tempo das cartas

10 de janeiro

Querida Julinha, cheguei bem, amanhã mesmo começarei o treinamento da gerência, vou ficar famoso, rico, e terei você nos meus braços eternamente. Eu te amo.

17 de janeiro

Legal Maurício, tomara que dê tudo certo.

24 de janeiro

Querida Julinha

Que bom que tenho você para ler minhas cartas. Eu nunca irei perder a paciência diante do teu amor. Tomara que dê tudo certo.

31 de Janeiro

Legal Maurício, tomara que dê tudo certo e você possa levar a sua mãe para cuidar de você.

07 de fevereiro

Querida Julinha, tudo aqui é muito bem estruturado. A empresa vai ampliar sua ação para nível regional, e aguardarei o convite para ficar mais perto de você. que é uma das vagas mais disputadas e difíceis do mundo. Eu te amo e por você estou aqui para ser rico e famoso. E achei legal você querer minha mãe por perto - eu te amo demais!!!!

14 de fevereiro

Prezada Julinha, deseje toda a sorte do mundo para que eu consiga esta oportunidade. Puxa vida, eu, você e mamãe juntos - eu nem acredito. Te amo!

28 de fevereiro

Julinha, eu consegui a promoção. Estamos praticamente juntos daqui para a frente, meu amor!

07 de março

Maurício, eu mudei de cidade, de estado, de país e de planeta - que saco.

14 de março

Júlia, cansei, quer saber, vai para os quintos dos infernos, eu gostei tanto de você, mas tanto que esse amor virou um ódio, que muito provavelmente será eterno, mas eu também quero que você se dane, sua vagabunda.

21 de março

Maurício, leva as suas irmãs barranqueiras para o quinto dos infernos, junto com a vadia da sua mãe.

28 de março

Olha aqui, Júlia Andréia, que nomezinho de merda este, hem ... daqui a quinze anos eu vou estar andando de carro chique, possante e caro e você vai estar gorda, sentada numa cadeira de fio de nylon na calçada, fofocando com as amigas gordas.

04 de abril 

Maurício Gillete, nome mais boiola do mundo, sai fora, me erra, me esquece, muda de destinatária, se é que gosta de mulher.

11 de abril

Júlia, sua bandida de zona, você vai acabar casando com seu cafetão por causa de uma gravidez supostamente dele e depois que sua filha quenguinha nascer, ele vai meter o pé na sua imensa bunda e aí, só aí, você vai pensar com arrependimento tardio como foi má a ideia de abandonar o seu Mauricinho - ele agora está lá naquela casa maravilhosa, cercado de mulheres lindas e eu aqui sem presente e sem futuro - e não é Gillete, é Guillet, sua vaca.

18 de abril

Hummm, o coisinha ficou nervosinho .... rá rá rá rá rá - não estou gargalhando, é minha AK47 contra idiotas, imbecis e retardados. Vai ver se estou na esquina, Gilletão ... 

25 de abril

Júlia Andréia, um dia você entrará na rede internacional de fast-food na qual eu trabalho, exatamente na loja que eu gerencio, não é sua cachorra? - daí você me verá todo alinhado, de uniforme clássico, e você aquela massa em deslocamento, parecendo uma nave mãe, então eu educadamente terei o prazer de pagar um especial duplo com molho barbecue, fritas inglesas e refrigerante para você, só para se sentir mais humilhada ainda.

02 de maio

Maurício, tudo bem, tudo bem ... mamãe não irá morar com a gente.

09 de maio

Marca a data, meu amor, que dia 11 estarei aí com as alianças, eu te amo, Julinha!!!

É isto aí!

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Pitangueira News

Palácio Real da Justiça do Reino da Pitangueira
Considerando ser razoável a penalização por suspeita, indícios, ódio visceral ou testemunhos públicos com interesses privados;

Considerando o século XXI poder ser alterado para XIX apenas mexendo um pauzinho e continuar sendo duplo X

Considerando a neo-jurisprudência, a pós verdade e a condenação límbica;

Considerando a possibilidade da Daenerys Targaryen, Filha da Tormenta, a Não Queimada, Mãe de Dragões, Rainha de Mereen, Rainha dos Ândalos e dos Primeiros Homens, Quebradora de Correntes, Senhora dos Sete Reinos, Khaleesi dos Dothraki, a Primeira de Seu Nome.e Ultima descendente confirmada da Casa Targaryen. não ser isto tudo que ela diz ou se auto-intitula ser;


O Tribunal de Causas por Modalidade e Lateralidade da Corte Real do Reino da Pitangueira, da qual exerço monocraticamente o pleno direito de redigir, executar, julgar e condenar, declara a penalização por suspeita e indícios como patrimônio cultural do direito pátrio deste reino, inserida no Novo Códex, obedecendo aos seguintes critérios, sem direito a questionamentos da plebe:


Canalha 1 ano de liberdade condicional com tornozeleira fura fila.
 Bandido 0 a 30 anos, depende de variáveis do sentimento meritocrático
   Safado 0 a 2 anos (depende muito da cara do sujeito)
    Mercenário Inocente - é trabalhador até que a mala os separe.
     Meliante 15 anos para os mesmos .e Tornozeleira Fura Fila para lapsos de memória 
      Golpista Se se golpeia a favor não se golpeia, mas para a plebe 19 anos
       Alcoviteiro Isento de penalidade
        Biltre 3 meses (que nojo)
         Cafajeste depende de variáveis do sentimento meritocrático
          Velhaco depende de variáveis do sentimento meritocrático
           Beócio Só os suspeitos da desordem inconstitucional 1 a 3 anos
            Calhorda Pena social
             Desprezível Tornozeleira Fura-Fila
              Energúmeno Passível de Passe Livre
               Desatinado Coitado ... ele não sabe o que tem na mala.
                Janota depende de variáveis do sentimento meritocrático
                 Casquilho Só "aqueles" - 12 anos. 
                  Espinicado Foda-se
                   Mentecapto Incapaz, mas se fingidor denunciado pelo Jotaene - aí 12 anos.
                    Mequetrefe Só os pervertidos. Os pilotos de aviões e helicópteros estão fora.
                      Insignificante Isento
                       Mocorongo Multa de mil reais por cada aparição pública até escafeder-se
                        Cafona Obrigado a assistir aula de boas maneiras e vestuário prefake.
                         Paspalho Opa, estes são nossos, não mexe.
                          Inútil Os úteis são naturalmente isentos 
                          Tolo depende de variáveis do sentimento meritocrático
                           Petulante Quando adversários, 30 anos, os demais Tornozeleira Fura Fila
                            Palerma Opa, em se tratando de reincidentes, tornozeleira fura-fila ou exílio
                             Idiota depende de variáveis do sentimento meritocrático
                              Imbecil com ódio 30 anos, sem ódio uso tornozeleira socialight
                               Parvo suspeitos de crime contra a pátria 45 anos sem apelação
                                Patife 0 a 20 anos  - meritocracia, QI, filiação, etc
                                 Desavergonhado depende de variáveis do sentimento meritocrático
                                  Indigno Ver QI, mas negociar perda patrimônio dos outros por delação
                                   Débil depende de variáveis do sentimento meritocrático
                                    Medroso Quem tem cunha tem medo - isento
                                     Covarde Ninguém pode produzir provas contra si
                                       Pulha Só os incautos sem sentimento meritocrático
                                        Purgante Tribunal especial com recursos intermitentes
                                         Sacripanta Prisão perpétua ou liberdade caribenha, depende muito.
                                          Abiscoitado 12 anos sem recurso
                                           Pentelho Dos homens bons, normal, demais de 5 a 10 anos.
                                            Prevaricador Filme 3D, 15 testemunhas e 36 fotos analógicas.

É isto aí!