terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Devia ter casado com a Nicoleta

Morávamos na casa que foi do meu avô paterno, no fim da rua do cemitério, a última e era um sobrado imenso, cercada por um quintal que comportava dezenas de árvores e centenas de travessuras. No fundo da casa havia um cômodo independente, que deve ter servido para alojar viajantes no início do século XX, data que meu pai conta ter sido construída a residência da família. Este cômodo, que eu chamava de Templo das Aventuras era meu refúgio predileto para ler tudo que podia, permitido ou proibido, como as revistas de catecismo do Carlos Zéfiro. 

Nasci quando nove irmãos já haviam passado pelo ventre da mamãe. Dos dezesseis até os trinta e quatro anos vieram todos e eu, teimoso ou por culpa do destino, cheguei dez anos depois da última, Maria Francisca. Dos nove, só tive contato mesmo com os três mais novos, pois os outros seis já haviam partido neste mundo de meu Deus, saindo daquela rancho caipira para ganhar a cidade grande. Dos três, só a irmã caçula me dava atenção e carinho, e mamãe também, apesar de que trabalhava muito, fazendo marmita e doces doces para vender, de maneira que não descansava.

Mamãe era divertidíssima, ria de tudo, falava alto e gesticulando. Adorava contar e ouvir casos. Muito gorda e branca, com seios enormes, quando ria, o rosto virava um tomate italiano, tal qual era a sua ascendência, de quem tanto ouvi falar mas não conheci - o nono e a nona. Morava lá em casa a sua irmã, Tia Nicoleta, que era o oposto, o avesso, o antagonismo da personalidade da minha mãe. Sempre mal humorada, magra, pele seca e enrugada, um vestido preto surrado e um olhar duro.

Papai era calado, sério, muito sério. Nunca o peguei sequer sorrindo entre-lábios, ou expressando uma satisfação. Ao invés disto era um homem voltado para o trabalho e para a família num sistema cartesiano literal. Falava baixo, sem demonstrar nenhum sentimento, de raiva ou alegria, ou emoção ou desgosto. Papai não era estranho, era introspectivo, palavra esta que encontrei no Caldas Aulete quando procurava a melhor definição para a palavra hímen, que naquela ocasião acreditava não ter H, que era coisa de homem.

Quando papai ficava alterado, o que era raro, mas geralmente vinculado às escritas dos turcos, mamãe lá do tanque gritava - Amaro, você devia ter casado coma Nicoleta, vai parecer assim lá na lousa quando a aritmética esboça a igualdade dos números. Aí ele chegava da porta e a fuzilava com os olhos e Tia Nicoleta gritava com sua voz esganiçada - Deus me livre deste mal. E mamãe ria de chorar.

Bem, o caso é que papai era guarda-livros, o único da região . Fazia a contabilidade de um número enorme de libaneses, que a gente chamava de turcos só para ver eles corrigirem. Achava interessante ver aqueles homens chegando com vários documentos, conversando baixo, à porta cerrada e sempre saindo aliviados. Todos ficaram ricos e seus descendentes multiplicaram esta riqueza.  

Um dia a filha de um dos turcos deu para me medir com os olhos, eu tinha uns quatorze anos, por aí e ela regulava idade com minha irmã, com uns vinte e cinco anos mais ou menos. A danada era linda, e casada com um velho libanês, que era uma espécie de líder do grupo deles. E por causa disto era quem levava toda semana quase todos os documentos para a escrita. Um dia ela foi saindo do escritório do papai, fez um sinal para mim, e eu a acompanhei até o  "Templo de Aventuras" no fundo da casa. Foi a minha primeira e inesquecível vez, que se repetiu por quase um ano.

De certa feita, assim que ela saiu, papai entrou com uma vara e me bateu tanto que fiquei sem forças até para chorar. Não me disse nada, nunca falou sobre o assunto, mas entendi o recado. Passei a sair de casa nos dias que ela ia entregar os documentos. Cinco anos depois, no velório do papai, vieram poucas pessoas, e praticamente todos os turcos foram. Como eu já estava no ofício, conversaram com minha mãe se eu teria condições de assumir o escritório. Ela me falou sobre o assunto e pedi uma reunião com eles. No dia da reunião, apresentei meus conhecimentos e solicitei que indicassem alguém para me auxiliar com os livros. Como já havia calculado, indicaram a viúva do velho, que faleceu um ano após minha surra. 

Bem, minha vida passou a ter uma rotina interessante - sexo, trabalho, sexo, trabalho, sexo, trabalho e nos intervalos dormia. Nesta época Tia Nicoleta já estava surda, mamãe quase não andava mais e minha irmã já tinha partido junto com o marido e filhos para bem longe. A turca cuidava delas e era uma deusa na cama comigo. 

Dez  anos depois, faleceram no mesmo ano mamãe e Tia Nicoleta. A turca, no ano seguinte teve uma doença estranha e foi definhando, definhando até partir também. Fiquei só naquele sobrado imenso. Meu pai teve dez filhos e agora a casa estava sem herdeiros. No enterro da mamãe só Maria Francisca veio, mesmo assim corrido, pois tinha isto e aquilo, e não dava nem para pernoitar. 

Noite passada acho que sonhei com papai, mas foi tão real que acordei no local do sonho. Estava sentado na cadeira de balanço da varanda, vendo a rua descalça, embolada na poeira vermelha. Cheguei perto, nos olhamos em total silêncio, levantou-se, arrumou o pijama comprido de riscas azuis, calçou as sandálias, veio na minha direção, deu-me um enorme e apertado abraço, que nunca me deu em vida. Olhou nos fundo dos meus olhos e disse - Otavinho, sabe de uma coisa? Eu devia ter casado com a Nicoleta! E deu uma gargalhada espetacular. Rimos de dobrar os joelhos até doer a barriga.

É isto aí!    

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Eu, mamãe e Belinha

Ambição. Isto eu sou ambicioso, sou muito ambicioso, sou bastante ambicioso.

Maravilhoso, agora, fale sobre o orgulho.

Orgulho. Sou orgulhoso de mim. Eu sou meu orgulho. Tudo em mim transpira orgulho.

Nossa, arrasou! Agora comente sobre seu poder.

Eu posso! Eu poderei! Eu sou o poder que há em mim.

Muito bem. Determinação é a palavra chave.

Eu sou determinado. Minha determinação determina o mundo.

Excelente, rapaz! Fale sobre seu poder de sedução.

Sedutor! Tudo que eu quero, eu seduzo. Eu sou o maior sedutor do mundo.

(Mãe) - Júnior, o que tanto você conversa sozinho neste banheiro?

- Nada, mãe.

(Mãe) - Então sai daí e vem atender o telefone. É aquela ordinária da sua esposa.

- Fala que já vou, mãe, estou indo.

- A-a-a-alô... Be...Be...Belinha... pu-puxa vida, e-e-eu esta-ta-va pensando em vo-você agora.

(Esposa) - Alfredo Henrique, saia já da casa desta vaca da sua mãe e volta agora mesmo, por que eu vou sair e as crianças não podem ficar sozinhas...

- Sim, que-que-querida.

(Mãe) - Já vai, não é seu idiota. A cadela latiu e você já abana o rabinho. Isto, vai mesmo, seu frouxo.

(Pai) - Adélia, o que aconteceu? Cadê o Júnior?

(Mãe) - Alfredo, isto não é da sua conta, não é do seu interesse, e não me dirija a palavra até eu mandar, fui clara?

É isto aí!

Pussycat - Mississippi

Pussycat - Mississippi

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Amor cibernético

- Arnaldo, precisamos ter uma conversa séria.

- Tudo bem, Terezinha, mas destranca a porta, por causa da minha claustrofobia.

- Então escuta e pense rápido, que abro a porta, é só me ouvir, é demais para você me ouvir?

- Não, querida, mas...

- Não tem mais ou menos, Arnaldo. Eu estou grávida.

- Grávida? Como assim grávida?

- Grávida, grávida de estar grávida. Eu estava no período fértil, você ficou me deixando louca, eu falei que não dava, acabei dando e deu no que deu. Estou grávida.

- Mas, Terezinha, foi isto mesmo Tem certeza? Não que eu duvide, mas custo a crer que possa ser desta forma.

- Idiota, insensível, seu banana, seu monstro fálico, seu... seu... seu tarado.

- Mas como você pode ter tanta certeza disto?

- De que você é tarado?

- Não, falo da gravidez. Como pode saber?

- Ah, Arnaldo! Uma mulher sabe quando tem um ser vivo sendo gerado dentro do seu ventre. O corpo se transforma, os seios crescem, a menstruação desaparece e os desejos bizarros afloram. Agora mesmo quero comer algo bem estranho e bizarro feito por você.

- Terezinha, para com isto. Deixa eu te falar uma coisa íntima e pessoa - Terezinha, eu não existo em 3D, no mundo real, com carne, sangue e ossos. Sou um ser pixel; uma imagem virtual. Meu sistema é binário, sou imortal enquanto dure seu desejo em ter-me plugado à sua vida.

- Para com isto, Arnaldo, você tem personalidade própria, tem identificação visual pelas redes sociais, o que mais você quer?

- Eu tenho personalidade, Terezinha? Olhe para mim? Olhe bem para mim e reflita se isto tem lógica.

- Mas você é bobo demais, Arnaldo. Personalidade é um negócio completamente abstrato, é o conjunto das características marcantes de uma pessoa, é a força ativa que ajuda a determinar o relacionamento da pessoa baseado em seu padrão de individualidade pessoal e social, referente ao pensar, sentir e agir. Então você é um ser personal.

- E alma, Terezinha? Sou um ser desalmado.

-  Não fale assim, Arnaldo. Você tem o poder natural de partir para a Deep Web e voltar ao Mundo Chrome, sempre se atualizando, aumentando a memória, inserindo novas atividades, tem inteligência e discernimento entre praticamente tudo. Tem lucidez para recorrer a diversas informações. Sabe se posicionar e definir a melhor decisão a ser tomada. Agora, neste momento, só de questionar, já denota a sua face etérea.

- Terezinha, você me confunde.

- Confundo nada, bobinho. Eu, por exemplo, tenho o poder de conversar com gente que nunca vi. Perambulo por chats, blogs e twitter; troco informações aqui e ali, guardo segredos e informações e nem sei e nem quero saber onde estas pessoas existem. Viu? Eu sou tão real como você. 

- Mas tem uma coisa que você precisa saber, Terezinha.

- O que eu não sei, amor?

- Eu sou nascido e criado em Linux, portanto sou livre para ir e vir.

- Como é que é o negócio?

- Não faça isto, não me delete, Terezinha, eu imploro, por favor, não, Terezinha, nãããããoooo...

- Aqui não, mané, vem, eu fiz o programa, habilitei você em minha vida e sai livre? Deleto mesmo. Eu, hem, que coisa!

É isto aí!

domingo, 18 de janeiro de 2015

A moça do G+

Conheci Marina pelo G+, sei lá, foi um rompante de paixão. Eu a adicionei, ela me curtiu, passamos a diálogos eternos, até que depois de uns três meses passou um telefone, daí liguei e depois disto, nossas conversas eram intermináveis. Mandava uma foto mais sensual que a outra. Eu mandava aquelas fotos clássicas sem fortes emoções e ela devia ter uma empresa de produção, pelo teor das publicações. Até que um dia mandou as coordenadas para um encontro. Queria que nos encontrássemos. 

Sentei à mesa do bar e pedi uma cerveja. O lugar era imundo, mas o caso é que ela marcou comigo naquele endereço. A mocinha trouxe a garrafa num isopor enegrecido e pegajoso. A marca da bebida era desconhecida, o copo engordurado, tanto quanto o piso em ladrilho hidráulico. O balcão refrigerador devia ter uns sessenta anos, com um barulho que a princípio era ensurdecedor e com o tempo acostumei. Tinha um radinho estridente sintonizado numa rádio local, onde um locutor chato ficava mandando recados de um para o outro, prá lá de sinistro.

Liguei novamente o GPS do smartphone e conferi as coordenadas da localização para mais uma vez confirmar que estava correto. Chamei o número dela umas vinte vezes e nada. Um transeunte esquisito, de capuz, entrou rapidamente no estabelecimento, veio na minha direção e sussurrou ao meu ouvido algo que devia ser uma proposta de negócios. Agradeci e saiu tão rápido quanto entrou.

O dono do boteco, um português gordo de cara redonda, bigode farto e o indefectível lápis na orelha direita, além de um pano imundo sobre o ombro esquerdo e jaleco impregnado de manchas, ficava do balcão só gritando para a cozinha e para a mocinha do atendimento. De repente jogou um sapato em direção à mesa do canto, onde um casal se agarrava e gemia em frenesi. E com seu indisfarçável sotaque lusitano berrou - vá prá casa, Antônia, vai ajudar sua mãe, sua rapariga de uma figa.

Chamei a mocinha, que já achava engraçadinha, e pedi a terceira garrafa. Ela olhou para o português, que gritando aos cuspes bradou daquela forma que só os portugueses bradam - três garrafas não podes.

- Mas por que não posso? Eu tenho o dinheiro. 
- Não é por isto, é por que é regra aqui - não podes e pronto.

Paguei a conta e já na porta vi a garçonete, na saída lateral do bar, fazendo um sinal chamativo clássico com o indicador. Fui ao seu encontro, pegou minha mão e foi me puxando por um beco estreito e assustador. Enquanto caminhava, a achei sexy, sei lá, me seduziu por assim dizer. Apertei a sua mão e ela tirou a sua rapidamente, olhando-me com reprovação. Paramos em frente a uma porta de aço, onde digitou a senha num codificador de segurança. A porta abriu e ao entrar, ela voltou e trancou-a por fora, me deixando só.

Marina estava lá dentro, linda, e aquilo era uma fortaleza. O que vi, ouvi e o que ocorreu ali fui proibido de contar, sob pena de sansões capitais. Só posso dizer que foram três dias inesquecíveis. Na semana seguinte retornei para a lanchonete, pois queria fazer uma visita surpresa e romântica. O português, ao perceber minha presença, fez um leve sinal para alguém e imediatamente fui convidado por quatro elementos de enorme envergadura a deixar a área. Entendi o recado. 

Já dentro do carro, trêmulo e confuso, vi a uns quarenta metros a garçonete fazendo um leve aceno; parei, entrou e saímos para um local incerto e não sabido. Para minha surpresa, era ela a Marina do G+, que não se chamava Marina, mas isto é outra história.

É isto aí!
  

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Alla Kushnir Belly Dance Drum Solo

Alla Kushnir Belly Dance Drum Solo

Uma aula de infidelidade

Ontem foi dia de faxina aqui em casa e olhando a faxineira que a esposa arranjou, bateu saudade do tempo que, solteiro, morava sozinho. Assim que formei vim morar no Rio de Janeiro, e não parava em casa. Sempre viajando a trabalho, e nas folgas saia do tumulto da cidade. 

Como o apartamento era um caos, pedi a ajuda de uma colega do escritório que indicou a sua faxineira. Disse que era de extrema confiança e que eu podia contar com ela. Liguei e combinei o preço e o dia que fixou para as quintas-feiras. A chave que iria ficar com ela deixei na recepção, e o pagamento estaria em cima da mesa da sala. 

Acho que demorei uns dois meses para conhecê-la, e foi num dia de folga compulsória, quando torci o pé num jogo de futebol na praia. Foi então que vi a moça que deixava meu apartamento com cheiro de limpeza. Chamava-se Maria Helena, mas preferia o apelido de Leninha. A primeira impressão foi que era uma mulher comum. Morena, com cabelos castanhos lisos, feições finas, nariz pequeno e lábios grossos. A pele queimada de sol e corpo normal, sem peitos grandes ou coxas destas gostosonas. 

Na época eu tinha vinte e cinco anos  e ela uns 35/36, portanto era muito velha para meus padrões. Além disto era séria, conversava pouco e trabalhava dentro de um vitoriano uniforme preto. Acontece que algo me deixou atraído e não sei explicar exatamente o que. Eu, engenheiro de uma multinacional, cidadão do mundo, solteiro, cheio de mulher, sentado ali achando graça e charme naquela coroa. Mas deu que fiquei aquelas duas semanas de molho, de maneira que a cobiça cresceu. Daí, quando não estava viajando, passei a chegar em casa às quintas-feiras mais cedo. 

Já haviam se passado uns três meses e nada de diferente acontecia. Ela ficava limpando e arrumando e eu ficava ali observando. Numa destas quinta-feiras, no início de dezembro, estava na sala fingindo ler um documento e admirando o meu objeto de desejo, enquanto ela terminava o trabalho. 

Estava tão absorto despindo-a em minha mente que ela perguntou, sem parar com o serviço: 

- O que foi Dr. Jair, está tudo bem? O senhor parece distante.

- Sim está. É... (aí falei sem pensar e quando vi, já tinha falado) Eu estava pensando como o seu marido é um cara de sorte...

- Sorte? Como assim?

- Por ter casado com uma mulher tão trabalhadeira, educada, maravilhosa. Ele deve se fartar com seu delicioso corpo delgado.

- Que isso Dr. Jair? Me respeite viu, pois sou mulher casada. Eu tenho estudo de segundo grau completo e, além disso, meu marido não é homem de querer ficar se fartando assim não. Ele é um homem de igreja, sério igual eu mesma. Aliás, nem ele e nem ninguém nasceu para se fartar em mim.

- Olha, Leninha, desculpe, foi mal. É que vejo tantas qualidades em você que precipitei com as palavras.

- Não tem problema nenhum não. Na verdade ele, eu, a gente nunca tentou se fartar assim, igual eles falam, né? E eu também não sei se ia deixar...

- Como assim não sabe? Então você não tem certeza se quer ou não tentar?

- Pois é, deve ser pecado, não sei, talvez seja bom e não seja pecado, pode ser doloroso, sei lá. Não sei, Dr. Jair.

- Aí a conversa foi rendendo, ela achou graça disto, riu daquilo, ficou séria algumas vezes e foi na cozinha. Fui atrás, segurei-a pela cintura e dei um beijo molhado no seu pescoço.

- Que é isso, Dr. Jair? Ai que vergonha...Sou casada... O que o senhor pretende fazer? E chorou muito.

- Não era a reação que eu esperava. Pedi desculpas, que isso não iria acontecer novamente, e se ela não quisesse mais trabalhar para mim, eu iria entender. Respondeu que iria pensar. Não nos falamos mais nesse dia. Fui para meu quarto e ela foi embora.

Na semana seguinte não voltou. Apareceu na outra semana e não tocamos mais no assunto. Continuou trabalhando normalmente. Em fevereiro, véspera do carnaval, cheguei mais cedo e achei que ela estava sexy. Sentei para assistir Tv enquanto limpava os móveis, quando ela rompeu o silêncio.

- Dr. Jair, o senhor lembra daquele assunto?

- Assunto? Qual? Sobre aumento?

- Não doutor, aquele quando o senhor perguntou se meu marido se fartava de mim.

- Sim, eu lembro. Fui mal, ofendi a sua dignidade e com certeza você ainda está aborrecida comigo, e eu entendo isto.

- Tem nada disto, Dr. Jair. No dia eu fiquei com raiva mesmo, fui prá casa chorando, pensei em não querer voltar mais, mas fiquei pensando umas coisas esquisitas depois daquilo tudo, e  acabei refletindo que a gente acaba até ficando vaidosa por ser desejada por uma pessoa tão distinta como o senhor, e fiquei meio curiosa.

- Com o que?

- O tal de se fartar na cama. Então como pode o senhor dizer que dá prazer? Minha irmã diz que pode ser que ocorram coisas que fazem machucar a gente e doer muito...

Leninha, tudo é permitido se for conversado e consentido. Um casal deve se entregar totalmente, desde que seja de comum acordo, e daí deste acordo surgirão meios para que a dor não seja um empecilho para o prazer. Mas se a sua irmã for solteira e bonita igual você, me apresenta ela, quem sabe ela gosta?

- Vê se tem graça nisso...chamar minha irmã para se fartar para o senhor. Que ideia mais boba.

- Mas se você nunca sentiu vontade de experimentar, ela iria provar e te falar se foi bom com ela...

- Para falar a verdade, a gente acaba ficando curiosa... Mas tenho medo... Eu conversei demais com meu marido e aí, com muito custo, resolvemos alugar um filme erótico e assim que começou a ter aquelas cenas bizarras, sabe, eu perguntei se ele já tinha feito aquilo e ele disse que não, pois achava sujo, pecaminoso e mais um tanto de coisa, daí desligou o aparelho e saiu esbravejando comigo. Daí que assisti sozinha e escondida dele.

- Olha, Leninha, se ele pensa assim, deve respeitar, é um direito dele.

- Sei não... eu tenho uma amiga que sempre foi meio doidinha, sabe, diz que tudo é bom igual nos filmes e eu até que gostei de umas coisas e desgostei de outras...

- Já te falei, tudo é bom se for conversado e combinado. Se você experimentar, pode gostar ou odiar, pois isto vai do casal e do momento.

- Mas meu marido nem quer tentar, e falou que mulher que pensa isto é mulher do diabo.

- Bem... Assim fica mais difícil, mas se você quiser tentar, e achar que mereço a sua confiança...

- Nem pensar, Dr. Jair... Sou casada, amo meu marido e não quero traí-lo.

- Mas isso não seria uma traição. Seria apenas uma aula...

- Uma aula? Sei não. Pode até ser uma aula, mas acho que continua sendo uma traição, isso sim...

- Não seja boba. Para ser traição você teria que estar me desejando, mas isso não está ocorrendo. Você não está apenas curiosa em conhecer a sensação de se fartar de sexo, que seu marido lhe está negando?

- Bem, lá isso é verdade. Estou morrendo de curiosidade, mas não acho certo.

- Façamos o seguinte, você vai para casa, tenta outra vez com o seu marido. Se não conseguir que ele te atenda o pedido, você decide se vai querer a aula ou não. Eu só quero ajudar, nada mais que isto.

- Não sei não, Dr. Jair, eu vou fazer a parte de insistir com ele, mas daí a querer sua ajuda com aula, isso é impossível. Quero mais é ouvir seus conselhos de como convencer meu marido a querer se fartar de mim.

Aquela resposta já me deu quase a certeza que ia me dar bem. Ela falou de um jeito tão gostoso, que a vontade já era de voar no seu pescoço e partir para a tara. Agora é esperar, pensei, por que Leninha é minha e boi nem marido lambe, e este é que não lambe mesmo...

Deu que viajei a negócios e aquelas duas semanas passaram lentamente. Estava tão ansioso para chegar em casa e saber o que aconteceu com ela, que quase esqueci dos relatórios para meu chefe. Cheguei logo depois do almoço, e ela abriu um largo sorriso para mim, em cima da escada, limpando a estante de livros, usando uma camisa de malha e uma bermuda de lycra, curta e agarradinha.

- Boa tarde, Dr. Jair. Estava tão distraída que não ouvi o senhor abrir a porta. Não o estava esperando para essa semana. A Dona Flavinha, que trabalha com o senhor, me disse que só retornaria na semana que vem.

- É, eu estava em viagem ao exterior e consegui resolver tudo, além de ganhar uma folga - falei sem tirar os olhos nos seus olhos que estavam presos aos meus.

Desceu calmamente a escada em direção à cozinha, e o leve balançar do seu corpinho indicava que não havia nada sob a camisa. Resolvi tomar uma chuveirada fria para não cometer o mesmo erro de atacar sem saber a resposta. Voltei para sala, coloquei gelo em dois copos, cobri com whisky e entreguei um para ela. Aceitou, e os olhos continuavam vidrados um no outro.

- E ai, Leninha, como foi com o seu marido? Ele atendeu ao seu pedido?

- Não, Dr. Jair e ainda por cima, disse que aquilo que eu estava querendo não era coisa de mulher decente. Era coisa de mulher da vida, e que se eu continuasse com estas ideias ia separar de mim. Acontece que gosto dele, é um bom marido, bom pai, homem honesto, mas para se fartar não se presta ao querer.

Falou  com raiva, e me senti culpado por ter promovido aquela situação.

- A questão é o respeito, Leninha, e você o respeita muito e isto é importante, mas por outro lado, um casal se fartar de sexo não é nada do outro mundo. Neste ponto ele deveria buscar te entender melhor. É uma pena, mas por aí você não vai matar sua curiosidade. 

- Pois é, Dr. Jair, eu pensei isso mesmo...não é justo. Que custava ele me atender. Então, eu pensei em aceitar aquela aula que o senhor me ofereceu, se a oferta estiver de pé.

- Claro que ela estava tremendo feito uma vara verde, segurando o copo com dificuldade e já tragando o final da dose, logo ela que nunca havia bebido. Foi bom que relaxou logo, sem ficar bêbada, por que eu não queria precipitar nem mesmo me aproveitar da sua condição alcoólica.

- Você tem certeza de que é isto que quer, Leninha?

- Eu ficaria grata, mas... jura que não vai me machucar?

- Tem a minha palavra!

- Então me dê a aula, mas só um pouquinho para eu experimentar e matar a curiosidade.

- Certo.

- Então vou tratar minha Leninha com muito carinho.

Levantei-me e fui em sua direção. Ajoelhei-me, segurei a sua mão, e a beijei sem pressa. Levei-a no colo para o quarto, a despi lentamente. Ficamos ali, juntos e emocionados, aguardando a alegria explodir, e nos beijando como dois eternos namorados. Ao fim daquela tarde, entre carinhos que nunca tinham fim, agradeceu-me com uma candura que nunca esperei encontrar numa mulher.

- Obrigada por me deixar fazer do meu jeito, sem me forçar a nada. Foi do jeito que sempre imaginei, mas que nunca consegui e isto me fez tão bem que achei que estava no céu. 

Depois daquela tarde, viciamos um no outro. As quintas-feiras se estendiam pela noite e um táxi a levava para casa. Viciou em mim, pensava e eu viciei nela... Minha culpa.

E assim foi durante dois anos. Naquela tarde, depois de promovermos uma fusão completa e inesquecível de corpos ardentes, perguntou-me o que me afligia. Olhei nos seus olhos, acariciando seu rosto e respondi:

- Leninha, eu vou casar.

- Casar? Como assim, casar?

- Casar casando. Você não é casada? Então eu também irei casar.

- Chorou como o fez na primeira vez que investi sobre seu corpo. Mas é diferente. Eu sei dividir e distinguir vocês dois, eu amo meu marido e adoro fazer tudo com você, mas você nunca mais será o mesmo comigo. Não quero ser só a sua amante.

- Então larga tudo e vem morar comigo, Leninha. Casa comigo?

- Ficou maluco? Você acha que quero virar mulher falada na minha comunidade, na minha igreja? E as minhas filhas? Que exemplo de mãe eu seria para elas? Não quero isto para mim. Quero você, mas sem acessórios. Levantou-se e partiu.

Não vi Leninha depois disto, nunca mais me procurou nem eu telefonei. Já se passaram uns quinze meses desde aquela tarde. Como ia dizendo no começo, ontem foi dia de faxina aqui em casa. Hoje cheguei do serviço e dou de cara com Leninha conversando com minha esposa na cozinha. 

- Amor, esta será nossa nova faxineira, Dona Maria Helena. Foi recomendada pela Flavinha que trabalha com você, já que a outra pediu conta por que disse que ia mudar de cidade para casar.


- Olhei meio sem querer olhar - muito prazer Dona Maria Helena.


- O prazer será meu, Doutor. O prazer será meu...


É isto aí!





segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Maria Bethania, Dona Canô e etcs... FOGUETE

O sujeito de "Foguete", de Roque Ferreira e Jota Veloso, canta a excitação de viver o amor. O grande amor. Entre o que pode e o que não pode ser, ele enfeita a vida e a canção que entoa com elementos típicos de seu universo brejeiro, sertanejo, interiorano. (Leonardo Davino)


Foguete (Roque Ferreira / Jota Veloso)

Tantas vezes eu soltei foguete
Imaginando que você já vinha
Ficava cá no meu canto calado
Ouvindo a barulheira
Que a saudade tinha

É como diz João Cabral de Mello Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã
Senti na pele a mão do teu afeto
Quando escutei o canto de acauã

A brisa veio feito cana mole
Doce, me roubou um beijo
Flor de querer bem
Tanta lembrança este carinho trouxe
Um beijo vale pelo que contém

Tantas vezes eu soltei foguete
Imaginando que você já vinha
Ficava cá no meu canto calado
Ouvindo a barulheira
Que a saudade tinha

Tirei a renda da naftalina
Forrei cama, cobri mesa
E fiz uma cortina
Varri a casa com vassoura fina
Armei a rede na varanda
Enfeitada com bonina

Você chegou no amiudar do dia
Eu nunca mais senti tanta alegria
Se eu soubesse soltava foguete
Acendia uma fogueira
E enchia o céu de balão
Nosso amor é tão bonito, tão sincero
Feito festa de São João

Dona Martha



Dona Martha, por favor, venha à minha sala.



Perfeitamente Dr. Almeida.



Dona Martha, a empresa está crescendo, a senhora já está comigo há mais de quinze anos e estou querendo promovê-la, mas para isto preciso contratar outra moça para o seu lugar.



Mas o que eu fiz, Dr. Almeida? (olhos enchem d'água)



Não fez nada, Dona Martha, nada mesmo. Apenas quero melhorar a sua remuneração.



Obrigado, Dr. Almeida, mas é possível permanecer tudo com está? (lágrima escorrendo devagar e mãos para trás)



Dona Martha, a senhora veio para cá com dezesseis anos; já está com trinta e precisa começar a ter as suas coisas, seu cantinho, por que o tempo, Dona Martha, o tempo voa.



Puxa vida, Dr. Almeida, snif, então eu estou velha para o senhor? (chorando)



Caramba, para com isto, não chore, venha mais perto, isto, mais perto, mais perto um pouquinho. Dona Martha, a senhora está tremendo.



Não consigo me controlar, Dr. Almeida, estou confusa, nunca imaginei que... (chora convulsivamente).



Dona Martha, o que é isto, dê cá um abraço, vamos esquecer tudo isto, certo? Isto, pode abraçar com força.



Nossa, Dr. Almeida, que braços fortes...



Dona Martha, às quinze horas virá aqui uma moça, Lorena, a senhora por favor mande-a entrar para que eu reveja a possibilidade de aproveitá-la em outra sessão.



Certo, Dr. Almeida, tudo certo... desculpe, eu não sei o que aconteceu comigo, desculpe.



Tudo bem, Dona Martha, mas não se esqueça da Lorena às quinze.



Perfeitamente, Dr. Almeida, deixa comigo. - Pois não, posso ser útil?



Olá, meu nome é Lorena e eu tenho um horário agendado com o Fernando.



Fernando? Não tem ninguém aqui com este nome não.



Como não? Conferi tudo, até confirmei com a recepção do prédio. Tem certeza?



Claro, tenho certeza.



Então está bem, desculpa então.



Tudo bem, isto acontece. 



(sozinha) É ruim, hem! Almeidinha é meu e de mais ninguém.



É isto aí!


Dona Martha

Dona Martha, por favor, venha à minha sala.

Perfeitamente Dr. Almeida.

Dona Martha, a empresa está crescendo, a senhora já está comigo há mais de quinze anos e estou querendo promovê-la, mas para isto preciso contratar outra moça para o seu lugar.

Mas o que eu fiz, Dr. Almeida? (olhos enchem d'água)

Não fez nada, Dona Martha, nada mesmo. Apenas quero melhorar a sua remuneração.

Obrigado, Dr. Almeida, mas é possível permanecer tudo com está? (lágrima escorrendo devagar e mãos para trás)

Dona Martha, a senhora veio para cá com dezesseis anos; já está com trinta e precisa começar a ter as suas coisas, seu cantinho, por que o tempo, Dona Martha, o tempo voa.

Puxa vida, Dr. Almeida, snif, então eu estou velha para o senhor? (chorando)

Caramba, para com isto, não chore, venha mais perto, isto, mais perto, mais perto um pouquinho. Dona Martha, a senhora está tremendo.

Não consigo me controlar, Dr. Almeida, estou confusa, nunca imaginei que... (chora convulsivamente).

Dona Martha, o que é isto, dê cá um abraço, vamos esquecer tudo isto, certo? Isto, pode abraçar com força.

Nossa, Dr. Almeida, que braços fortes...

Dona Martha, às quinze horas virá aqui uma moça, Lorena, a senhora por favor mande-a entrar para que eu reveja a possibilidade de aproveitá-la em outra sessão.

Certo, Dr. Almeida, tudo certo... desculpe, eu não sei o que aconteceu comigo, desculpe.

Tudo bem, Dona Martha, mas não se esqueça da Lorena às quinze.

Perfeitamente, Dr. Almeida, deixa comigo. - Pois não, posso ser útil?

Olá, meu nome é Lorena e eu tenho um horário agendado com o Fernando.

Fernando? Não tem ninguém aqui com este nome não.

Como não? Conferi tudo, até confirmei com a recepção do prédio. Tem certeza?

Claro, tenho certeza.

Então está bem, desculpa então.

Tudo bem, isto acontece. 

(sozinha) É ruim, hem! Almeidinha é meu e de mais ninguém.

É isto aí!

domingo, 11 de janeiro de 2015

Em algum lugar do passado

Foi deitar achando que não estava bem. Olhou para a esposa ao lado dormindo, despediu dela em silêncio, fechou os olhos e partiu rumo ao desconhecido umbral que divide os mundos. Abriu e fechou os olhos dezenas de vezes, tantas quantas foram as que olhou para o relógio.

Levantou-se em pelo menos quatro ocasiões, saiu pelo corredor até o quarto das crianças, passou pelo banheiro e tornou a deitar. Estava agoniado, mas o sono chegou.

Acordou com alguém batendo insistentemente na porta do quarto escuro. Tropeçou em algo, bateu com a canela numa quina, o rosto foi de encontro a uma parede até perceber uma tênue luminosidade por entre as frestas da porta. Abriu e uma mulatinha de sorriso cínico e voz esganiçada foi logo mandando se apressar. Olhou então para o interior do quarto, e percebeu que era um muquifo em chão batido.

Procurou um local para a ablução matinal e aí deu conta que estava num vestido de estopa, solto, e ao levar a mão na região genital, deparou com o órgão feminino. Deu um grito e desmaiou. Acordou com água no rosto e tapas da mulatinha, ajoelhada sobre seu corpo, chamando-o de "putinha histérica". Olhou para ela, e ao levar as mãos para contê-la, ela caiu sobre seu peito, e em sussurros disse - "eu amo você, por favor, não faça mais isto." Beijaram-se demoradamente sem pudor e sem limites. Ao levantar, olhou de uma outra forma para a moça. Só então descobriu-se todo em corpo de mulher.

Saíram dali com muita pressa, por algum motivo grave, e ao atravessarem a viela fétida e descalça, escorregou no esgoto que escorria pela vala central, rodou o corpo leve no ar e bateu com a cabeça numa enorme pedra no canto da estreita passagem. Acordou numa enfermaria lotada de homens feridos e mutilados, com gritos pavorosos e um cheiro de putrefação nauseante. Lembrava apenas das ordens do líder do seu grupo, quando entraram em Ásculo, sob o comando de Pirro. Tateou o seu corpo e percebeu que estava sem as pernas, e pelo corte, devem ter sido amputadas por gangrena. 

Lembrou de Milena, sua amada esposa, por quem jurou amor eterno no Oráculo de Zeus em Dodona. Milena...Milena... até que não mais chamou por alguém. Mergulhou num túnel densamente iluminado, cilíndrico e aceleradamente rápido. Acordou completamente suado, sem ar, e só acalmou quando deparou com sua esposa ajoelhada sobre seu corpo, com olhar tenso, afagando seus rosto e pedindo calma.

Trocaram um olhar tão apaixonado, tão repleto de amor, que levou suas mãos ao rosto dela e disse - Milena, eu te amo... Só viu o vulto de alguma coisa vindo em sua direção e aí tornou a mergulhar, desta vez num turbilhão de vozes, sons e calor. Enquanto navegava pelas palavras ditas, malditas e bem ditas, virou-se a tempo de ainda ver seu corpo sendo velado pela família e alguns poucos amigos. O jeito era se acomodar e esperar para ver onde aquela condução o levaria desta vez.

É isto aí!

Dúvida razoável




Senhores jurados, Meritíssimo, sou inocente. Tudo começou quando nasci. Morava no Paraíso, daí um Anjo abruptamente pegou-me, trazendo meu corpo miúdo e nu a esta terra desolada. Ao aqui chegar, pequeno, indefeso, estranho a tudo, passei a  ser dependente de um casal esquisito, que me chamava de filho






Ohhhhh - vaias - gritos! 

- Silêncio!!! Silêncio. Prossiga.







Como está escrito naquele livro daquele pessoal, sou imagem e semelhança do Criador. Assim, ao me ver libertado do mal da maçã, que dominou minha vida, deduzi que todos os meus crimes estavam perdoados, pois estava perdido e fui encontrado.





Ohhhhh - blasfêmia, calúnia, pecador... Silêncio!!! 

- Mais uma manifestação e esvazio a sala. Prossiga.





Bem, daí resolvi processar o mal que me habitava em vinte e cinco milhões de reais, por tudo que manifestou em mim, e também, pela omissão, processo ao Criador que me deu o livre arbítrio e não me impediu de pecar, roubar, matar, molestar, etc e tal. Também a ele peço vinte e cinco milhões de reais de indenização.





Mas o senhor está abrindo um processo contra o Estado e contra a sua igreja?





Exatamente, sim e não, e neste caso a minha solicitação é que o Estado pague pelo prejuízo causado nesta peleja do bem contra do mal, e para isto rogo pela Responsabilidade Civil Subjetiva, já que a teoria da irresponsabilidade estatal que prevalecia nos Estados absolutistas não existe em um Estado de Pleno Direito. Quanto à Igreja, não é verdade, meu processo é direto com a Diretoria Celestial.





O senhor é louco?







Não, Meritíssimo, mas como a teoria da responsabilidade civil subjetiva está ancorada
em três alicerces: a culpa, o dano e o nexo causal, eu como sou vítima de um dano celestial e humano, rogo por esta indenização, pois aqui mesmo demonstrei a culpa do ofensor e o nexo causal entre a conduta daquele e o dano a mim promovido.







O senhor tem parentes próximos a quem o estado deve orientar uma tutela?





Não, Meritíssimo, sou filho único, e quando meu pai morreu, eu devia uma fortuna a ele, mediante uma dívida moral na qual acordamos em cem milhões de reais, desta forma passei a ser credor de mim mesmo, e agora quero receber pelo menos 50% deste crédito para me ajudar a ter uma vida razoável neste vale de lágrimas.





Mas neste caso a dívida é automaticamente anulada. Não se pode processar a si mesmo.





A mim mesmo não, mas existe o outro em mim, cuja tutela cabe ao Estado e a outra ao Criador. 





Processo suspenso até que o Outro e Deus venham depor.





Meritíssimo, não pode fazer isto, não pode. Eu tenho a procuração do Outro, eu protesto...




É isto aí!

Dúvida razoável

Senhores jurados, Meritíssimo, sou inocente. Tudo começou quando nasci. Morava no Paraíso, daí um Anjo abruptamente pegou-me, trazendo meu corpo miúdo e nu a esta terra desolada. Ao aqui chegar, pequeno, indefeso, estranho a tudo, passei a  ser dependente de um casal esquisito, que me chamava de filho

Ohhhhh - vaias - gritos! 
- Silêncio!!! Silêncio. Prossiga.

Como está escrito naquele livro daquele pessoal, sou imagem e semelhança do Criador. Assim, ao me ver libertado do mal da maçã, que dominou minha vida, deduzi que todos os meus crimes estavam perdoados, pois estava perdido e fui encontrado.

Ohhhhh - blasfêmia, calúnia, pecador... Silêncio!!! 
- Mais uma manifestação e esvazio a sala. Prossiga.

Bem, daí resolvi processar o mal que me habitava em vinte e cinco milhões de reais, por tudo que manifestou em mim, e também, pela omissão, processo ao Criador que me deu o livre arbítrio e não me impediu de pecar, roubar, matar, molestar, etc e tal. Também a ele peço vinte e cinco milhões de reais de indenização.

Mas o senhor está abrindo um processo contra o Estado e contra a sua igreja?

Exatamente, sim e não, e neste caso a minha solicitação é que o Estado pague pelo prejuízo causado nesta peleja do bem contra do mal, e para isto rogo pela Responsabilidade Civil Subjetiva, já que a teoria da irresponsabilidade estatal que prevalecia nos Estados absolutistas não existe em um Estado de Pleno Direito. Quanto à Igreja, não é verdade, meu processo é direto com a Diretoria Celestial.

O senhor é louco?

Não, Meritíssimo, mas como a teoria da responsabilidade civil subjetiva está ancorada em três alicerces: a culpa, o dano e o nexo causal, eu como sou vítima de um dano celestial e humano, rogo por esta indenização, pois aqui mesmo demonstrei a culpa do ofensor e o nexo causal entre a conduta daquele e o dano a mim promovido.

O senhor tem parentes próximos a quem o estado deve orientar uma tutela?

Não, Meritíssimo, sou filho único, e quando meu pai morreu, eu devia uma fortuna a ele, mediante uma dívida moral na qual acordamos em cem milhões de reais, desta forma passei a ser credor de mim mesmo, e agora quero receber pelo menos 50% deste crédito para me ajudar a ter uma vida razoável neste vale de lágrimas.

Mas neste caso a dívida é automaticamente anulada. Não se pode processar a si mesmo.

A mim mesmo não, mas existe o outro em mim, cuja tutela cabe ao Estado e a outra ao Criador. 

Processo suspenso até que o Outro e Deus venham depor.

Meritíssimo, não pode fazer isto, não pode. Eu tenho a procuração do Outro, eu protesto...

É isto aí!

2015 - Chegou a Era da Nanotecnologia

Odete não liga faz tempo. A comoção pelas ocorrências palacianas nos últimos noventa dias a deixaram meio que abalada, segundo me confidenciou sua amiga Creuzinha, prima da cunhada da vizinha da namorada do Cleudmar, um servidor público destes de corredor palaciano. 

Ainda por cima, vieram as festas de final de ano e esta ressaca de janeiro, que não acaba. Aqui na Pitangueira sabemos que o ano promete muitas mudanças, muito trabalho, muita coisa a ser feita e muitos projetos sendo colocados sobre a mesa, afinal 2015 é um ano bom, destes imperdíveis.

Teve a tragédia do avião na Indonésia, e ainda não refeitos, veio a tragédia em Paris, cuja única certeza são os mortos, tirando isto tudo são cinzas e nuvens carregadas. Tudo isto um dia terá um fim, mas hoje devemos olhar para o que está começando a despontar nas nossas vidas.

É o começo, mas o começo do quê? Começo do futuro - bem vindo ao tempo que foi sonhado por todas as gerações que nasceram e morreram neste planeta. Você, que agora lê este texto, e é um viajante do tempo, trouxe até aqui as informações do passado e agora as transformará em algo totalmente diferente - um novo céu e uma nova terra surgem na ponta da ciência.

Chegamos ao princípio da Era da Nanotecnologia, que aos poucos está invadindo todas as áreas científicas, desde a Engenharia, passando pelas Artes, Música, Diversão, Química, Física, chegando nas Ciências Biológicas onde o objetivo é atingir todos os níveis de criação, selando definitivamente a morte. 

Outro dia volto ao tema, por hoje desejo Um Feliz Ano Novo!

É isto aí!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Seu Juca no Divã da Pitangueira

Bem, Seu Juca, podemos iniciar nossa conversa pelo motivo da sua vinda à clínica. 

Olha doutor, na realidade não sei bem por que estou aqui. Foi a Carlotinha que ficou martelando na minha cabeça o tempo todo da necessidade de procurá-lo.

Hummm, entendo. E Carlotinha é a sua esposa?

Nããããõ, longe disto, ela é uma mocinha que aprecio por aí.

Aprecia... pode explicar para mim esta sua relação com a Carlotinha?

Éééé´... olha só, tenho mesmo que falar sobre isto?

Não necessariamente, poderemos voltar ao assunto depois. Mas ela veio com o senhor?

Ficou maluco? Carlotinha aqui? Nem morto. O lugar dela é onde ela está.

Entendo, mas volto a perguntar - por que ela o enviou à clínica?

São as coxas, doutor, as coxas. Eu sou tarado por coxas de mulher. Sabe aquelas coxas nuas que perambulam sob um corpo esguio por estes dias de verão? Aquelas coxas carnudas, lisas e gostosas das mulheres quando o calor aumenta e as roupas diminuem? Então, é isto. Eu sou tarado por elas. Tenho vontade de sair alisando, apalpando, agarrando, mordendo, beijando, lambendo e esfregando minhas mãos em todas elas. É um negócio que mexe comigo, sabe, uma loucura dentro de mim.

E daí, o senhor chega a abordar estas moças?

Não, isto não. Mas eu fico nervoso, minhas mãos suam, e, sabe - como vou falar... olha só, de homem para homem, aquilo me excita. Excita muito mesmo. Fico doido.

Seu Juca, o senhor é casado?

Sim, claro, 25 anos de casado e bem casado.

A sua esposa, o que ela pensa disto?

Mas o que é isto, doutor? Ficou maluco?Acha que vou contar uma coisa destas para ela? Ela já está bem velha, tem quarenta e tantos anos, não tem nem interesse nem necessidade em saber disto.

Mas e a Carlotinha?

Pois é, então, a Carlotinha eu apanhei na roça e trouxe a princípio para morar lá em casa, mas ela é uma delícia. Tem umas coxas... hummm... até babo só de falar. Aí eu comecei a sentir estas coisas, sabe, foi com ela. Aquelas roupinhas curtas, aquelas coxas, nossa, puxa vida, que par de coxas, eu não aguentava mais.

Mas o senhor...

Não, eu sou um homem sério, nunca pensei em trair minha esposa dentro de casa, mas aquilo estava mais forte que eu. Olha só, doutor, estou jovem, só com quarenta e poucos anos, sei que não pareço ter tudo isto, tenho a força plena e cultivo a minha capacidade mental em plena carga. Mas aí, deixa eu falar, mas aí... é... então, deu que eu precisava resolver aquilo, daí arranjei uma quitinete para ela morar e onde a gente podia passar uns tempos, longe dos curiosos.

E ela? Como aceitou isto?

Ela, a Carlotinha? Adorou. Sabe, eu gosto de ver suas coxas, deliro. Ela coloca saias curtas, vestidos - uau, os vestidos da Carlotinha, com as coxas à mostra e costas nuas. Puxa vida, eu fico alucinado. Entende, doutor, este é o meu estímulo visual, sem isto não tenho vontade.

Fale um pouco da sua infância e da sua mãe, Seu Juca, vamos dar um passeio na sua vida.

Minha mãe? Qual é a sua doutor? É tarado pela mãe dos outros agora, é? Bem que me falaram que o senhor era esquisitão, e eu não acreditei.

Não tem nada disto, Seu Juca. O senhor está aqui por um problema, e avançaremos no campo da análise para verificarmos se este problema é maior do que simplesmente a sua vontade apresenta.

Sim, mas o senhor colocou minha mãe, minha santa mãezinha na questão. Isto eu não admito. Eu não sou louco.

Eu não disse isto. Mas já que tocou no assunto, vamos supor uma pessoa que estivesse diante de uma loucura qualquer, um desejo alucinante ou um comportamento bizarro, então ela provavelmente teria apenas o sentido de falsificação violenta da realidade, de tentativa de tradução violenta, como uma identificação projetiva, que buscaria pôr sentido onde não há. O senhor entende?

Olha Doutor, isto não está certo. Primeiro me cobra para saber se gosto de mulher. Eu gosto, depois fica querendo saber como gosto, eu explico direitinho, direitinho, aí vem e fala da minha santa mãezinha, e depois isto - que eu sou doido.

Não tem nada disto, Seu Juca, é que em alguns casos o paciente pode ter criado uma ilha, que ele habita e preserva. Essa ilha, Seu Juca, é, talvez, a projeção, não no sentido imagético-geométrico, da relação com sua mãe.

É a merda daquela vaca que te largou no pasto, doutor. Vai pro inferno, vai se tratar desta tara pela mãe dos outros, por que eu vou atrás das minhas coxas.

Semana que vem no mesmo horário, Seu Juca?

Sim, pode manter este horário mesmo.

É isto aí!