Lua Balsâmica
Sistema Solar
Via Láctea
Zona Sul
Nunca faça negócios, nunca namore, nunca se apaixone, nunca seja amigo/amiga, nunca se relacione socialmente, nunca se permita ser subordinado, nunca trabalhe ao lado de:
Diário de bordo na travessia da vida.
Este poema de Fernando Pessoa foi publicado em 28 de janeiro de 1922
No entardecer da terra,
O sopro do longo outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.
Soergue as folhas, e pousa
As folhas volve e revolve
Esvai-se ainda outra vez.
Mas a folha não repousa
E o vento lívido volve
E expira na lividez.
Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E mesmo o que hoje sou
Amanhã direi: quem dera
Volver a sê-lo! mais frio.
O vento vago voltou.
Fernando Pessoa
E o tal de "bom para continuar a evoluir suas intenções e ideias" é coisa de conto de fadas, de histórias para ninar a criança que já está bem crescidinha dentro de você. Pensei isto tudo por causa desta Lua Gibosa, da qual nunca ouvi falar, mas deve ser ela que faz doer meus pensamentos.
Por hoje é só, Odete, tem trabalho na mesa, no armário, na gaveta e na prateleira aberta. Acho que vou pedir redução de tempo livre.
Valeu!
É isto aí!
A fila era extensa, muito muito grande. Dezenas, não, não eram dezenas, eram centenas de bambolês enfileirados. Recebi o bambolê ao adentrar ou sair, não sei bem ao certo. Ele era transparente e cintilante, e não permitia que tocássemos uns nos outros. Era uma espécie de anel de campo eletromagnético com armação flutuante e funcional.
A temperatura muito agradável, estávamos todos, literalmente, sob enormes árvores floridas, com copas generosas. Achei estranho falar que estávamos sob as milenares árvores. De alguma forma a preposição "sob" virou uma chave temática para olhar para cima. Comecei a olhar, havia um céu, mas não era um céu como aquele que conheço, onde levanto a cabeça, os olhos e a alma e vagueio pelo infinito, com ciente localização espacial inferior.
Agora entendia tudo ao mesmo tempo, a mente girando girando, sabia dos céus, dos anjos, dos arcanjos, dos querubins, dos serafins, seria como eu fosse um chatgpt humano, tinha muitas respostas esperando pelas poucas perguntas inteligentes. Estava bem ali, ao alcance das mãos, o Céu dos Céus.
Enquanto olhava, ascendi em direção a um plano superior que pareceu-me familiar. Transcendi este plano, sentado sobre uma luz indecifrável, inefável, que deslizava num derrame de fótons até chegar a um guichê de bancada alta, acima da minha cabeça, de modelo colonial. Do alto e do nada, uma voz feminina perguntou:
- Nome?
- Nome.
- Mais um engraçadinho.
- Senhora, estou só nesta estranha existência, eu acho, não sei bem ao certo quem sou, o que sou e o que está ocorrendo neste exato momento..
- Meu Deus, hoje o dia promete. Senhor, por gentileza, diga o seu nome. Di-ga o seu no-me. Só isto.
- Eu já disse que não tenho nome. Dezenas de nomes surgem e desaparecem dentro de mim, acho que sou muitos.
De súbito ela mostrou seu delicado e fino rosto para além do guichê, quase face a face comigo (como ela fez isto?). Tinha olhos expressivos, falou algo ininteligível, badalou um sino e voltei para a fila do bambolê, daí deu um sono imenso e incontrolável, então acordei aqui. Onde é aqui? Agora sei meu nome mas não sei onde estou. Vou esperar que a mulher, que desmaiou ao me ver, acorde e explique porque acho que a conheço, mas desconheço o lugar.
É isto aí!
Estava sentado,
diante da tela,
janela do mundo,
e vi sua face,
olhos amendoados;
definitivamente
linda e luzidia.
Saudade faz-se
à montante da vida
enquanto o tempo
segue à jusante,
até o ponto
onde ausento.
É isto aí!
e volta triste
para e pensa
tem nada aqui
acho que vou
voltar mas
não quer partir
então revolta
nada compensa
ficar mal aqui
em triste malta
mas não quer
fugir de si.
É isto aí!
Zefa!!! Ô Zefa!!
Que foi Zé?
Zefa, faz favô de olhar na folhinha dos sagrado coração de Jesus, de que Santo que é hoje o dia?
Tem isso na folhinha, Zé?
Claro que tem, sô. Olha lá prá nós.
Mas que melda, eu cheia de serviço, você bonitão aí na viola atrapalhando meu dia.
Pode deixar, Zefa.
E pode pelo meno me dizer o causo do porque queria esta informação?
Nada não Zefa, bobagem minha.
Oia aqui, Zé, vai falando que já estou ficando esbaforida. E olha esta vassoura na mão, louquinha para te dar de pau nas costas.
Misericórdia, Zefa, então eu conto, mas você tem que prometer guardar segredo.
E eu lá sou muié de espalhar fofoca, homi?
Jura mesmo que não vai contá prá sua mãe, suas irmãs e sua cumadre?
Nossa, Zé, mas o que é este cerceamento de diálogo? Nem prá mãinha? Nem prá cumadi Zenólia? Misericórdia. Quero saber mais não. Deve ser até - modi dizer - estes pecado que andam por aí.
Eu sabia, Zefa, que ocê já lá ia contá tim tim por tim tim
E daí? Mió contá do que calar das novidades na roça. E não é fofoca, é uma rádio de ondas curtas, que só fica ali entre nós e onde atualizo as coisa.
Zefa, num tem segredo secreto. Sua mãe tem as irmãs dela e as cunhadas, sua irmãs tem amigas, a cumade então é mais conhecida que pé de mamona.
Nossa, Zé, inté parece que estamos falando para o mundo todo...
Ainda não, Zefa, mas vai chegá este tempo ...
É isto aí!
Lembro que era um sábado de maio, o casamento seria na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias, às 16 horas. Ocorreu que do entardecer da sexta-feira até a alvorada do sábado, convidados, parentes, amigos e desconhecidos entravam e saiam da casa ininterruptamente, para comer e beber até atingir o limite da gula.
Naquela noite ninguém dormiu. Bandinha no forró sob o céu de maio animava a festa e espalhados em mesas enormes, sob tendas, no quintal, estavam as comidas, pratos e talheres. Uma mesa guardava leitão, carneiro, galinha caipira, carne bovina, linguiça, carne defumada, torresmo, miúdos diversos, molhos, vinagretes e pão. Era a mais requisitada delas , com um ir e vir da cozinha incessante.
Em outra mesa, caldeirão de arroz, caldeirão de feijão, tropeiro, farofas, batata de tudo quanto é jeito - palha, purê, inteira, empanada, em conserva, etc.. Salada fria, salada crua, salada de alface, salada de frutas, salada com pimenta, salada com frango desfiado, etc.. Nas pontas estavam salgadinhos pedindo para serem devorados e pela facilidade de acesso, eram consumidos às dúzias.
Na última mesa havia pudim de caçarola, pudim de paçoquinha, quentão, bolo de milho com cobertura de chocolate, broa de milho, pé de moleque, canjica, canjicão, bolo de laranja, de limão, de cidra, cocada aranha, cocada preta, cocada branca, cocada com leite condensado, balas diversas, bombons e frutas cristalizadas, além do sorveteiro, do pipoqueiro e do algodão doce.
Num balcão da enorme varanda, dando para os fundos do sobrado, estavam as bebidas como chopp, cachaça, vinhos, refrigerantes, água mineral com e sem gás, destilados diversos. De maneira incrivelmente anômala, as pessoas se dirigiam às mesas das comidas, doces e bebidas por múltiplas vezes e depois dançavam, comiam, cantavam, bebiam, conversavam e se divertiam freneticamente.
Sete horas da manhã do sábado chegaram as meninas do salão. Os noivos ainda brindavam o dia tão esperado, já dominados pelo álcool. A bandinha ainda tocava com todo o gás. A noiva foi colocada num quarto do segundo pavimento, as madrinhas e a mãe em outro quarto e ficaram ali sob os cuidados da beleza até as 14 horas aproximadamente.
Quando deu por volta das 15 horas, chegaram os táxis, ubers, etc, numa fila enorme, e começaram a levar os convidados, as testemunhas, as madrinhas, os padrinhos, as crianças, o coral, os arranjos, as cestinhas com pétalas, o noivo, a família do noivo, os convidados idosos, etc., esvaziando a casa, trancada pelo pai da noiva, que acompanharia a filha na limusine do Dr. Zequinha.
16 horas e trinta e seis minutos - toca a marcha nupcial - todos se levantam e olham para a porta que dava para a praça. Alarme falso, era uma convidada atrasada. O zum zum zum do descontentamento começa devagar e vai num crescente. Cadê a noiva? Cadê a noiva? Cadê a noiva? O pai vai ao microfone e pede calma, com certeza aquilo logo seria resolvido. Eu tenho certeza que ela veio, pois estávamos juntos eu e o Dr Zequinha Moreno, que a trouxe no seu automóvel.
17 horas, a igreja vai se esvaziando. Uma a uma, as famílias saem algumas curiosas, outras preocupadas enquanto desaguava a maior chuva já vista na cidade em pleno maio. O noivo teve uma crise de pânico e foi levado ao hospital.
Dr. Zequinha, ao chegar em sua residência sob chuva torrencial, numa cidade a cerca de uma hora da Matriz, resolveu abrir a porta de trás para dar mais uma conferida. Talvez encontrasse alguma pista do desaparecimento, um bilhete, um sinal, qualquer coisa. Mais que isto, deparou-se com a noiva dormindo placidamente sobre os macios tapetes, no piso do carro, escondida entre os bancos, coberta com um paletó, que há muito estava esquecido e dado como perdido, aguardando, quem sabe, a oportunidade de esconder e aquecer a moça.
É isto aí!